Outubro de 2016. Manhã de sábado. Fila de caixa de supermercado em bairro de classe média, com variável pra baixo. Sistema eletrônico cambaleante: ora ia (não se sabe pra onde), ora vinha (não se sabe de onde). As filas cresciam em velocidade inversamente proporcional ao fluxo do atendimento. Tudo acontecia com extrema lentidão e isso nos colocava – consumidores e funcionários da Casa – a poucos passos do caos.
Duas senhoras, vizinhas de carrinhos de compras, se aproximaram para uma conversa – que bem poderia ter sido amena –, daquelas que servem para matar o tempo que, na verdade, segue sempre lépido e fagueiro, sem a menor preocupação com os agendamentos que o cotidiano costuma nos impor.
Eu as observo de perto. Aparentam ter uns cinquenta e poucos anos de caminhada pelas sendas da vida e revelam, à primeira vista, um perfil que me faz lembrar velhas senhoras do passado, matronas estigmatizadas como “prendas do lar”, uma espécime em extinção, se é que já não se pode considerá-la extinta. A do carrinho bem mais sortido, deixando transparecer ser mais sociável que a outra, é quem dá início à conversa, com jeito de quem queria apenas tricotear:
– Mulher, como os preços estão salgados! A vida está ficando cada vez mais difícil, você não acha?
– Também, né, a gente vota na Dilma e vêm os golpistas e entregam irresponsavelmente o governo pra quem não teve um voto sequer. Dá nisso. As elites sempre adoraram arrochar o povo em benefício próprio…
– Perdoe-me, mas eu penso diferente. Os preços já estavam muito altos no governo dela. Quanto ao Temer, não vejo como concordar com essa de que ele não teve voto algum, afinal quem votou nela também votou nele…
– Dessa lógica faço questão de não compartilhar. Eu não votei nele, não! Eu sou petista assumida. Sou Lula lá! Sempre! Como é que eu ia votar num golpista?! Nem morta, santa!
– Tudo bem, mulher! Mas a gente tem de entender que a chapa que acabou sendo eleita juntou o PT e o PMDB. Na cabeça, como alguns costumam dizer. Assim, petistas e peemedebistas fecharam um acordo em torno de Dilma e Temer.
– Mas eu nunca admiti esse acordo… Meu voto foi nela, exclusivamente nela. Se não fosse o golpista e aquele cara de pau do Cunha, com aquele jeito de bandido de faroeste americano indo pr’um duelo de vida ou morte, a democracia não teria sido tão enxovalhada com a tramoia do impeachment. O voto do povo tinha de ser respeitado…
– Só que o acordo, amiga, é que permitiu a eleição deles. Se o PT não tivesse feito coligação, não teria vencido a eleição. No Brasil é assim: quem vota no presidente, no governador ou no prefeito vota no vice. O negócio é assim… casadinho… amarradinho…
– A senhora quer saber de uma coisa? Fique aí com o seu Temer e tenha um bom proveito!
– Meu?! Calma, amiga! Nem de política eu gosto. Só não acho justo é que endeusem Lula, Dilma e sua curriola, como se não fossem eles os responsáveis por muito do que de ruim está acontecendo com o país e com todos nós.
Esse comentário já não foi bem ouvido pela declarada seguidora fiel do petismo.
Ninguém interveio. Era como se todos tivéssemos a nada assistido. Então, o silêncio serviu de passagem para outros cenários. Eis que outros atores protagonizaram outras cenas no bom e velho teatro do cotidiano.
– A bem da verdade, eu considero um desperdício, um gasto desnecessário esse negócio de segundo turno. O país em plena crise e mais um pleito eleitoral sendo realizado para, a rigor, confirmar o resultado do primeiro.
– Pois eu sou contra mesmo é essa coisa de reeleição. A gente elege alguém, até mesmo não acreditando que ele vá resolver os problemas cruciais que afligem a grande maioria do povo, mas aparenta ser menos ruim que o outro. Aí, ele passa três anos costurando acordos que visam principalmente recuperar a dinheirama investida na campanha, para no último ano de mandato mostrar-se ser capaz de gerenciar a coisa pública. O povo, que tem memória curta, só se lembra do que ele fez na reta final. E dá mais quatro anos a ele que vai repetir a mesma estratégia.
– E o erário segue engordando, mais e mais, os patrimônios pessoais de mandatários públicos e seus apaniguados.
– Pois é. E ainda querem me convencer de que o voto cidadão é a ferramenta que pode modificar tudo isso… Ao contrário, ele me torna é corresponsável por todo esse desvario que move a politicagem brasileira.
Contenho-me. Sou apenas ouvidos. Embora sinta algo bastante conhecido fervilhar dentro de mim. É o anjinho do mal querendo assumir o comando da nave. Acautelo-me: não vale a pena entrar no mérito da questão. Permaneço apenas como observador. É o anjinho do bem quem dita as regras do jogo, do meu jogo bem particular. E, com a normalização do atendimento, a fila passou a andar normalmente.
Então, eu pergunto aos dois – sempre muito tranquilos – botões da minha camisa de cor verde e gola polo: de que vale a teoria sem a prática?!
Pois bem. Essas vivências me encorajaram a advertir, primeiramente, os eleitores fortalezenses – aqueles de quem desfruto uma honrosa amizade: se você está decidido a votar no Capitão Wagner, procure conhecer bem o senhor Gaudêncio; então, disponha-se a nele confiar também; se, ao contrário, você vai votar em Roberto Cláudio, não subestime a possibilidade de Moroni assumir a titularidade do posto máximo da edilidade. Trata-se de advertência que também faço a cada um dos amigos eleitores caucaienses: caso você já se tenha definido como eleitor de Eduardo Pessoa, considere o Beto Martins, na qualidade de vice, como potencial ocupante do cargo máximo da municipalidade; agora, se seu voto já está destinado a Naumi Amorim, a senhora Lívia Arruda, na condição de vice, vai poder, a qualquer momento, dependendo das circunstâncias, de seu voto usufruir para o comando do governo municipal assumir.
E essa regra é irreversível.
Quanto a Dilma/Temer, a matéria de capa da revista Época, edição de 24 último, pareceu-me bastante elucidativa: EXCLUSIVO – A CHAPA DE R$40 MILHÕES. E, em letras menores, o estopim que pode fazer a bomba explodir – “Preso, Eduardo Cunha pretende revelar o preço do PMDB de Temer para apoiar Dilma nas eleições de 2014” – e levar o país a reviver a experiência de ter um presidente eleito pelo voto indireto, conforme dispõe a Carta Magna.
“Desgraça pouca é bobagem”, já dizia a minha avó… e que Deus a tenha! Assim seja.