QUANDO A JUSTIÇA ESTUPRA A LEI

Quem conhece um mínimo de História do Brasil, sabe que a justiça sempre existiu para favorecer os interesses dos ricos, dos poderosos, chegando a ser, muitas vezes, o determinador do crime, do julgamento e da pena, sem ao menos um direito de defesa por parte dos condenados.

Venho discutindo essa excrescência contra os direitos do cidadão há muito tempo. Escrevo artigos, crônicas, poemas, ficção e, mesmo nas minhas falas, está presente essa vertente de um pensamento que precisa descolonizar o recalque da pobreza centenária que separa o povo de uma elite pobre culturalmente e com um instinto semelhante ao que os senhores de engenho, de chicote na mão, açoitavam os escravos. A humilhação a porteiros, caixas de supermercado, entregadores de comida, serventes de pedreiros, empregadas domésticas e até a policiais parece ser uma prática aceita pelo poder e consentida pelo Estado de Direito que, ao optar por um lado, geralmente o da elite econômica, entope os presídios de pobres, negros e desassistidos sociais de todos os tipos. 

Talvez, a ignorância do Brasil que construímos, seja pela ilusão dos eleitores esperançosos de mudanças ou pela elite corrupta e desmedida de qualquer parâmetro civilizatório, faça do Brasil uma pátria com tantos idiotas pregando o negacionismo científico e o terraplanismo como teoria que ficou lá atrás, antes de Galileu Galilei, numa época de trevas, dominado pelo fanatismo religioso de uma igreja que reinava ao lado dos governos e se refestelava com o suor e o sangue do povo. Essa volta ao passado da estupidez e da imposição de vontades fez surgir, dos esgotos do autoritarismo, playboys como esse que estuprou a Mariana Ferrer, depois de dopá-la, porque simplesmente queria satisfazer o seu instinto animalesco de posse. 

A justiça acolheu a defesa do estuprador e puniu a mulher estuprada. E a lei, pergunto ao douto juiz da causa? A lei é a mesma que punia os escravos, os pobres e os desassistidos do período colonial. A justiça não serve para o povo porque nunca criou um presídio para políticos corruptos, milicianos assassinos e empresários desonestos. Essa justiça estupra a lei em favor dessas classes de parasitas e as protege, porque ela se regateia no banquete do poder, entendeu? Quer que eu explique melhor? Uma vez eu ouvi de um parasita do sistema a frase: você sabe com quem está falando? E eu respondi sem pestanejar: se você levantar esse dedo mais uma vez eu vou falar com um imbecil que precisará de um dentista para remendar sua boca sem dentes. Depois, do dito, refleti, que ato impensado esse meu. Poderia ter sido preso, levado uma surra e perder completamente a noção de racionalidade que me guia. Pois é, mas se eu que penso e sou capaz de escrever um artigo, reagi assim, imagino como reagiriam um pai, a mãe de uma filha estuprada, de uma filha morta ou de um familiar espancado por algum playboy que resolveu tirar um sarro com a lei? Será que os filhos da elite são estuprados e fica por isso mesmo? 

É hora de pensar sobre que justiça valida o estupro com inversão de valores, tornando o criminoso uma vítima da panaceia criada pelo sistema. 

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

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Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]