Putin já perdeu

“Outra vitória como esta, e estaremos perdidos”

Pirro

​A invasão da Ucrânia, e seu iminente controle militar pela Rússia, já representa um prejuízo para Putin na balança de perdas e ganhos.

Invadir um país com população bem inferior (apesar de mais de 40 milhões de habitantes) e desprovido de armamentos sofisticados como os da Rússia, que há anos vem se preparando para a anexação de territórios vizinhos como pretendeu Hitler em 1938/1945, é uma coisa (deplorável e injustificável); administrá-lo politicamente e economicamente em benefício do invasor é bem outra.

Temos o exemplo recente do povo do Iraque, que mesmo detestando o ditador Saddam Hussein, revidou o ataque covarde e cruel dos Estados Unidos com uma guerrilha urbana que traumatizou os jovens soldados que lá pereceram ou voltaram para casa mutilados ou com traumas de guerras profundamente perturbadores de suas integrações à vida social do país invasor.
Há uma diferença fundamental entre Saddam Hussein e Volodymyr Zelensky. O primeiro era uma ditador sanguinário e corrupto que se mantinha no poder pela força e adesão de grupos étnicos que se beneficiavam com a apoio que lhes era dado. O segundo é um Presidente eleito após uma luta sangrenta em 1914 do povo ucraniano para a derrubada de um títere russo, e que junto com o povo do seu país oferece uma resistência heroica ao invasor.
Este é um problemas adicional para Vladimir Putin: a consciência do povo ucraniano sobre o ultraje sofrido após ter conseguido acordos de reconhecimento russo e internacional com país soberano. A pasta de dente não volta mais para o tubo.
Entretanto, este é apenas um dos problemas. O problema maior é o isolamento econômico russo após ter entrado definitivamente para a economia de mercado a partir de 1989, com a queda do muro de Berlim.
O capitalismo internacional saudou a queda do murro de Berlim como o fim do comunismo; definitivamente, bradaram os capitalistas de todos os gêneros (dos fascistas aos sociais democratas): “ganhamos”!
Mal sabiam que a expansão do capitalismo de Estado da antiga União Soviética apenas se submetia, pelas próprias regras capitalistas de relação social, a uma inevitável necessidade de expansão, e foi por isto, com a sua economia aos cacos, que aceitou a separação do bloco sob sua influência das nações do leste europeu, de etnia eslava, e uma relativa autonomia política e econômica destes países, sem disparo de nenhum tiro.
Mas passado este período, eis que surge um “salvador da pátria”; um policial da antiga KGB, faixa preta de judô, educado como patriótico espião, que tal como Hitler na depressão alemã, ascendeu ao poder, criou uma estado cleptopcrata, ditatorial, policialesco, e prometeu a volta do pretenso apogeu soviético e sua opressão capitalista de Estado.
A história das guerras anuncia se repetir há apenas 83 anos após o mundo ver assassinado cerca de 3% de toda a população mundial em uma guerra entre os povos.
As circunstâncias que envolvem a realidade social deste 2022 são bem diferentes daquelas de 1917, durante a primeira guerra mundial, que promoveu a queda da monarquia czarista. O isolamento da Rússia com o fechamento das suas fronteiras como ocorreu em 1917, tem, hoje, dificuldades intransponíveis.
Se antes, foi possível contar com o apoio de um povo analfabeto, rurícola, que sofria há séculos a opressão de uma monarquia cada vez mais decadente, e assim, apoiar os revoltosos bolcheviques e se desenvolver intramuros a ponto de enfrentar o poderio bélico alemão (ainda que com a sacrifício três vezes maior de mortes entre a sua população comparativamente ao povo germânico) apenas 25 anos após, hoje, isto não é mais possível.
Hoje, o povo russo é alfabetizado, se equivale relativamente, em termos de consumo e confortos da vida moderna (proporcionados pelo avanço da ciência e do saber, apesar da segregação capitalista que o todos atinge) aos povos desenvolvidos, ainda que já estivesse sofrendo com as últimas consequências das depressões mundiais do capitalismo, e não aceitará a escassez a que estará submetido em razão do anunciado isolamento resultante do corte das conexões capitalistas internacionais.
​O tiro saiu pela culatra, e Putin não pode sequer recuar na sua intempestiva invasão ucraniana, que filmada em tempo real por milhares de celulares, vem estarrecendo a humanidade pela visualização da brutalidade de uma agressão militar por terra, mar e ar a civis indefesos.
​Acabar com a invasão e celebrar um acordo que represente uma capitulação perante o governo ucraniano atual é, para ele (e seu pensamento militarista ditatorial), inaceitável; representaria uma renúncia aos seus princípios de orgulhosa manutenção do poder.
Assim, ele vai até o fim com esta guerra insana, até a tomada do poder, mesmo que isto represente mortes para o povo russo e ucraniano, antes, durante e, principalmente, depois.
Mas o prejuízo já está consignado, e até a China sai prejudicada deste conflito que ela não esperava que tomasse as proporções que tomou. A tentativa de formação de um bloco capitalista autônomo, capaz de fazer frente à decrepitude do capitalismo ocidental, flopou (como diz o nosso editor).
Como o incêndio na casa do vizinho deixa as barbas dos moradores ao lado de molho, a China calculou mal o tamanho do incêndio e está colocando as suas próprias barbas de molho; está assumindo uma posição pouco clara diante do conflito, vez que se absteve de votar contra a invasão russa no Conselho de Segurança da ONU, e fraquejou.
Terminou por se envolver numa aliança de morte: celebrou aliança incondicional com a Rússia e se depara com duas perspectivas perigosas:
– assumir a solidariedade completa à Rússia e também se isolar economicamente do mundo, com as implicações que isto representa para uma economia altamente integrada ao mercado mundial;
– abandonar a Rússia à própria sorte, e dar adeus às suas pretensões de líder de um bloco hegemônico capitalista novo, inclusive com moeda única (tal como na União Europeia).
A primeira alternativa representará um abalo sísmico capitalista no mais alto grau, graças à sua colossal dívida pública; representará a diferença da explosão de uma bomba atômica atual em relação a de Hiroshima e Nagazaki, comparando-se tal fato com a crise do subprime de 2008/2009.
A segunda alternativa representará ficar à mercê das manipulações financeiras e monetárias do ocidente capitalista, e condenar a Rússia à deposição de Vladimir Putin, e eleição de um novo dirigente russo submisso ao capital internacional e à própria China.
A verdade é que o capitalismo caminha para o cadafalso justamente no momento em que todos admitiam a morte do seu mais lúcido e digno opositor: Karl Marx.
Eis que ele ressurge, não sob a forma falsificada do marxismo tradicional (capitalista de Estado), mas sob a respeitabilidade de seu vaticínio segundo o qual, “quando as máquinas (trabalho morto), atingirem um grau de desenvolvimento capaz de promover em maior escala a dispensabilidade do trabalho vivo (da força de trabalho humana, única produtora de valor), todo o edifício capitalista voará pelos ares.”
Mas será que ao voar pelos ares, enquanto forma de relação social, o capitalismo (que já nos ameaça ecologicamente) vai nos levar junto com ele? Isto já está sendo prometido por um acuado Vladimir Putin e seu arsenal de bombas atômicas.
Pergunto a mim mesmo, sempre que me vem à mente as figuras sinistras de Adolf Hitler e Joseph Goebbels cometendo o suicídio ao ouvirem do bunker as explosões de bombas russas, e pedindo que se lhes fossem incinerados os seus cadáveres, juntamente com as esposas e respectivos seis filhos do seu Ministro das Comunicações, para que seus corpos não fossem usados como troféus, o que fariam se pudessem, tal como pode hoje o seu similar Vladimir Putin, acionar o botão da hecatombe atômica final???

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;