Em setembro de 1992 uma entidade privada cearense, o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças lançou e realizou por um ano uma campanha pela Transparência das Contas Públicas. Palestras em escolas, universidades, entidades empresariais, clubes de serviço, artigos e entrevistas nos meios de comunicação e até uma campanha publicitária. Pedia que governadores e prefeitos prestassem contas regular e didaticamente do dinheiro que administravam. Sim, transparência trata de dinheiro.
Em 1993, em maio, na Alemanha, nascia a Transparência Internacional, com a mesma ideia, basicamente, embora no caminho tenha perdido o foco. O criador da entidade foi apresentado numa contracapa da revista “Seleções“ com uma foto-legenda com o título “Herói do Mundo“.
Em Fortaleza, na mesma época, um vereador apresentou projeto que estabelecia obrigação da Prefeitura prestar contas pública e regularmente. A Câmara aprovou, o prefeito vetou. O vereador, salvo engano, era Heitor Ferrer, o prefeito, Antonio Cambraia.
Um deputado cearense, também na primeira metade dos anos 1990 apresentou projeto de lei que obrigava o governo do estado do Ceará a prestações de contas mensais. A Assembleia Legislativa aprovou. O governador vetou. O deputado era Eudoro Santana. O governador era Ciro Gomes.
Mais adiante, primeira década deste milênio. um governador publicava anualmente um detalhado Balanço Geral. Prestava contas do que fez com o dinheiro, ainda que de forma pouco didática. Quando a experiência caminhava para ser melhorada, o governador que lhe sucedeu suspendeu a prática. O governador que publicou balanços era Lucio Alcântara. O governador que suspendeu a prática era Cid Gomes.
Estas informações antigas servem para compor uma moldura do que faz agora o governo do estado, numa curiosa inversão.
O Governador Camilo Santana decretou que os fiscais da da Fazenda podem requisitar ao sistema bancário o acesso aos dados bancários dos contribuintes quando em missão de fiscalização. Se alguém supõe que isso só se aplica a grandes empresas sonegadoras, pode estar enganado. O texto da norma sugere que ela pode ser aplicada a qualquer empresa e a qualquer pessoa contribuintes do IPVA ou ITCMD ou qualquer outra (por suas circunstâncias, conexões ou relacionamentos.
Quando o General Costa e Silva fez o AI-5, foi advertido por um democrata. “O problema não são os seus ministros, é o guarda da esquina“. Deu no que deu, foi abuso de todo lado e de todo tipo. Um militar presente viu de outra forma. “Ás favas com os escrúpulos“. Ninguém é, em princípio, contra pegar firme com sonegadores. Mas… Que as empresas e as pessoas fiquem agora se sentindo nuas perante as autoridades do Estado, com suas intimidades bancárias expostas, talvez seja uma nova realidade que os estranhos tempos atuais vão impondo.
Esta é uma forma inusitada de transparência, princípio tão caro a democratas. É uma transparência ao avesso. Os governos regra geral são opacos na destinação do dinheiro do orçamento. Os portais da transparência embaralham e complicam tudo em plena luz do dia, pouco explicam, pouco comunicam, quase nunca dão contexto, nunca são didáticos, quase sempre confundem com uma overdose de (des)informação embalada e pintada com as cores da tecnologia.
É razoável supor que uma governança efetivamente transparente tenha ganhos de eficiência nos gastos e investimentos. Também se admite que a transparência possa trazer ganhos na arrecadação. Siga o raciocínio e faça as contas. Nos últimos sessenta anos os governadores cearenses manusearam dois trilhões de reais. Este é um dos lados, por onde sai o dinheiro. Admitindo que a arrecadação (por onde o dinheiro entra) fosse do mesmo tamanho (dois trilhões de reais), aplique um pequeno percentual de ganhos de eficiência a quatro trilhões de reais. Um ganho modesto de cinco por cento já somaria duzentos bilhões de reais.
O Ceará tem tido governadores sérios, mas nada garante que sempre teremos. A transparência das contas públicas, entretanto, como se vê, se justifica também por outras razões.