Esta sequência de textos costuma evitar os fatos circunstanciais e a fulanização. O benefício esperado é que as ideias e as críticas abertas ou sutis, despidas de interesses específicos, alcancem mais abrangência, mais compreensão e mais durabilidade. A ausência de detalhes e nomes, espera-se, não deverá prejudicar a mensagem-objetivo do autor, que está explícita no título, servindo o conteúdo como uma pauta mínima para pessoas e instituições mais instrumentadas e qualificadas para um debate.
Esta é a regra, e para ela cabe a exceção
No jornal O Povo deste sábado, na coluna do jornalista Eliomar de Lima, saiu a notícia de que a Assembleia Legislativa do Ceará lança campanha contra a fome.
Logo ocorre de imaginar se estarão na campanha engajados os quarenta e tantos deputados estaduais, ou se alguns deles teriam propostas de abordagens diferentes para enfrentar a questão da fome, que decorre de vários fatores. Também ocorre imaginar que a campanha tem estrutura, prazo, objetivos, metas e estratégias. A notícia não aponta para uma proposta mais estruturada e mais consistente.
Fome é questão urgente, grave e profunda. Daí a surpresa de perceber na notícia superficialidade, até um certo clima de festa. Sim, assim parece. Quem sabe se por ironia ou por rigor, anuncia o jornal que no lançamento haverá feirinha de economia solidária, música, exposição de carros e uma praça de gastronomia. É isso mesmo? Deve ser, porque não cabe duvidar da seriedade do jornalista, nem do jornal, muito menos dos senhores e das senhoras representantes do povo, com mandato e autoridade para fazer sua defesa.
Ainda diz a notícia que a articulação é do Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos do Poder Legislativo. A denominação indica que daí se pode esperar o melhor e o mais alto nível. Esta informação sugere inúmeras reflexões, tantas e tão delicadas que neste espaço estreito elas não caberiam. O importante conselho não está só. Órgãos municipais e estaduais também estão juntos: a Secretaria de Desenvolvimento, a Sema e o DETRAN. A expectativa positiva se justifica.
O presidente da Assembleia declara que “a fome aumentou, e muito, no estado, pós pandemia”. A partir de que dados e fatos trabalha o presidente, para estabelecer o antes e o depois da pandemia, nada diz a nota. Fome é coisa de pobre, não de gente doente. Não deixa de ser um assunto estratégico a exigir altos estudos desde sempre.
O evento noticiado ocorre na manhã deste domingo, enquanto este texto se escreve sem nada saber dos seus resultados e desdobramentos. Até pode estar acontecendo algo transformador, mas o passado e a prudência não recomendam tanto otimismo.
Todos os parlamentares costumam dizer que o parlamento é a casa do povo. Deles muito esperam, porque muito precisam, seus milhões de eleitores, a maioria muito pobre e aflita, mas cheia de esperança e fé.
A imprensa tem o dever e a função de noticiar os fatos, dando-lhes contexto, circunstância, fazendo a análise a partir de perspectivas diversas e contribuindo para formar a opinião pública.
Mas a função central do Parlamento e da Imprensa é fiscalizar o Poder Executivo.
Deputados e jornalistas estão agora debruçados sobre um problema cearense “que aumentou, e muito”: a fome. E a fome não anda só.
E nada disso começou ontem. Hoje a Assembleia lança sua campanha. Como vai ser amanhã?