Alguns dos lúcidos homens de negócios do eixo Rio-São Paulo compreenderam, no início dos anos 1980, que os militares estavam levando o país para o abismo (recessão, inflação, desemprego, desigualdade, insolvência) e que era apenas trololó o discurso do combate à corrupção e ao comunismo. Por mais que imprensa e parcelas expressivas da classe média e do parlamento alardeassem a competência dos profissionais armados e fardados, o povo e o país iam de mal a pior. Naquele momento, industriais tinham força, gozavam prestígio e eram ouvidos (hoje são ignorados, enquanto os banqueiros são quase obedecidos). Então, dessa lucidez nasceu o que se chamava o Clube dos Oito. Empresários da indústria nacional fazendo política com P maiúsculo. Queriam mudar o Brasil. Reuniam-se, debatiam, escreviam para jornais e revistas, davam entrevistas para a imprensa, percorriam o Brasil fazendo palestras e conversando com seus pares e com parlamentares. Incomodavam governantes. A proposta era basicamente pôr fim à ditadura, restabelecer a democracia. Com ela viria melhor gestão. Consequentemente, melhor desempenho econômico e resgate da dívida social, questões então dramáticas, urgentes.
No meio empresarial do Ceará, entre os que trocavam figurinhas com o Clube dos Oito, houve movimentação semelhante, conduzida por uma geração de jovens industriais do Centro Industrial-CIC, e resultou na campanha eleitoral vitoriosa para apear do poder os três coronéis que controlavam a política local, elegendo Tasso Jereissati. O discurso era a mudança — e o combate à miséria. Os coronéis eram “a força do atraso”, graves acusações de má gestão.
O Ceará acrescentou um tempero forte nesse caldo político-social. Nesse processo cearense merece ser lembrado o Movimento Pró-Mudanças, que reuniu fração da classe média, sempre decisiva na formação da opinião pública. Formou-se uma onda, tudo indicava, consistente e legítima a favor de transformações. A onda cresceu até a vitória citada.
Os coronéis foram derrotados na eleição de 1986, após um governo de transição (Gonzaga Mota). Nova geração chegou ao poder. A mudança desenhava-se radical, no melhor sentido.
Nos anos 1990, acontece algo singular no cenário regional, o Pacto de Cooperação, que tinha o mesmo DNA do movimento pró-mudanças, embora o foco fosse mais estreito. A cooperação se daria entre governo e empresários. As entidades empresariais assumiram o comando (do Pacto) e conduziam a pauta central, reunião pública com debate semanal. Informal, aberto, aceito como interlocutor privilegiado do governo estadual, principalmente. Economia e negócios em primeiro plano. Desenvolvimento como visão. O pacto teve seu brilho. Funcionou por quase uma década, estimulou, mobilizou, chegou a entusiasmar. Os mais diretamente envolvidos declaravam resultados espetaculares. Os céticos e arredios só reconheciam modestos benefícios, mesmo assim concentrados no alto da pirâmide, “como sempre”, diziam.
Quanto ao propósito e quanto ao processo, porém, havia quase unanimidade em torno do Pacto. A ideia era inteligente, participativa, sugeria amadurecimento, apontava desenvolvimento. Tinha potenciais imensos, como na estimulação da consciência social de empreendedores. A imprensa tinha novas pautas e podia sair da mesmice, se quisesse. O Parlamento ganhava interlocutores e espaços de debate político de interesse mais geral, mais objetividade. Protagonistas, coadjuvantes e figurantes conviviam e trocavam experiências. Havia também muito o que aprender com a ideia de diálogo com o poder público, sobretudo para desencastelar governantes e burocratas regra geral arrogantes.
Bem, entramos os anos 2000 sem Movimento Pró-Mudanças e sem Pacto de Cooperação. Como eram informais, ninguém fechou suas portas, pediu-lhes a falência ou decretou-lhes o fim. Morreram lenta e silenciosamente. Não há um acordo firme sobre a ‘causa mortis’, nem certidão de óbito.
Em 2007, um novo e promissor governo estadual (Cid Gomes) se instalaria. Mais de uma centena de pessoas voluntárias ligadas ao Pacto ou ao Pró-mudanças reuniram-se num hotel no litoral e construíram a base ordenada de um plano estratégico para o Ceará e o ofereceram ao governador eleito. O plano foi para alguma gaveta. Depois disso, não houve mais qualquer notícia relevante sobre o assunto.
Desde então só se fez um pacto, o abrangente Pacto pelo Pecém, costurado com pouca informação e documentação abertas ao distinto público. Por que um porto pede um pacto?
O desenvolvimento tem pré-requisitos. Exige democracia, pede participação e exige que as instituições cumpram seu papel social. Pode ser que pactos e movimentos sejam necessários, se governantes e elites dirigentes não conseguem alcançar bom desempenho. Talvez sejam tão bem recebidos porque essas instituições tradicionais não cumpriram (ou não estão cumprindo) rigorosamente seu papel e os resultados são fracos e mal distribuídos.
O processo democrático básico e as eleições não devem evidentemente ser responsabilizados por fracassos que maltratam a base da pirâmide. Entretanto, podem e devem ser contínua e severamente criticados. E aperfeiçoados.
Cearenses não merecem injustiça e mediocridade de resultados. E às vezes parece que isso não importa. O debate até parece interditado. Há um silêncio e uma acomodação constrangedores.