PRECISAMOS FALAR DO CEARA – Parte 2

Para facilitar o raciocínio e a avaliação, tome-se a quantia redonda de trinta bilhões de reais como o valor total do orçamento anual do Governo do Estado do Ceará. Agora, multiplique-a por sessenta. Tem-se arredondados dois trilhões de reais. Não é pouco dinheiro em sessenta anos. A cada quatro anos um governador administra cento e vinte bilhões de reais. Se reeleito, duzentos e quarenta bilhões.

Apesar dessa montanha de dinheiro, a questão que se coloca é se os governos estaduais têm ou não têm condições de promover o desenvolvimento do Ceará. A dúvida se explica por várias ponderações.

Uma primeira é que os próprios governadores costumam dizer que o dinheiro é todo “carimbado“, que eles não podem fazer nada porque a destinação dos recursos financeiros é completamente engessada. E cada governador faz referência a um percentual de destinação obrigatória que lhes tira o poder e a liberdade.

Uma segunda ponderação é que a descontinuidade na gestão provoca a descontinuidade dos programas e projetos, e isso reduz ou elimina o impacto positivo que o investimento poderia ter. Os governantes que assumem criam suas próprias prioridades e elas nem sempre são as mesmas prioridades  do estado (ou da população), e colocam freios na prioridade do governador que substituem.

Uma terceira é que o desenvolvimento do estado do Ceará depende muito mais do Governo Federal do que do governo estadual. E ponderam que a soma de recursos e instrumentos de que dispõe Brasília é mais relevante e decisiva do que a que os governadores manuseiam.

Outras ponderações sempre existirão. Uma delas dirá que o Ceará se desenvolveu muito bem ao longo dessas seis décadas. Outra, menos otimista, dirá que a pobreza do Ceará é tão aguda e tão crônica que está na casa do sem jeito. Outras há que acusam e acusam e acusam…

Conversando sobre as três mais acima, imaginem que os governadores pudessem ter reservado dez por cento do orçamento destes sessenta anos. Disporiam hoje de uma reserva de duzentos bilhões de reais. Dá pra fazer muita coisa. Suponha que aos duzentos bilhões de reais próprios, o governo estadual conseguisse parceiros privados que somassem metade, cem bilhões. E, pra fechar, admita-se que o governo federal pudesse entrar também com duzentos bilhões de reais (separados, claro, em sessenta anos). Agora feche os olhos e imagine um bom gestor podendo destinar essa grana toda para o bem da população do Ceará – quinhentos bilhões de reais.

Se você acha um exagero considerar sessenta anos, reduza para trinta anos. Seriam 250 bilhões de reais.

Se você acha um exagero considerar dez por cento, reduza para cinco. Ainda seriam (por apenas trinta anos) 125 bilhões de reais.

É razoável supor que no tempo dos coronéis havia uma sintonia com o governo militar em Brasília e caberia a eles (os nossos coronéis) articular ideias e recursos, uma vez que, pelo menos em tese, não haveria impedimento político, e demandas razoáveis podem e devem ser atendidas por aqueles que se apoiam politicamente.

Depois dos coronéis, para simplificar chame-se a era das mudanças, quase o tempo todo houve sintonia dos governantes locais com os manda-chuvas de Brasília. Vale para Tasso Jereissati (e Ciro Gomes, um pouquinho) em relação ao período tucano, assim como vale também para os governos de Lúcio Alcântara e Cid Gomes na conexão com o governo petista.

Para fechar o raciocínio pode-se afirmar de boa fé que a descontinuidade foi muito menor na era das mudanças, aceitando-se que não foi totalmente eliminada.

Para ser justo é preciso reconhecer que evidentemente o Ceará cresceu nesses sessenta anos. Cresceu um pouco mais que um vizinho, um pouco menos do que o outro. Cresceu um pouco mais que a população ou um pouco menos. Fato é que cresceu.

A questão agora é se o crescimento que houve (se houve) foi acompanhado de distribuição. Claro que foi. Todo crescimento se acompanha de alguma distribuição. Quedas também são (digamos) distribuídas. Um dos papéis fundamentais do Estado é fazer a distribuição da prosperidade ou manejar as perdas. Então, a distribuição foi feita, para uns ou para outros. E essa é uma escolha do governante.

Este texto se torna mais compreensível se lido depois do anterior, que faz referência a números da pobreza (mais da metade da população dependente de auxílio e assistência social federal para sobreviver),  ás dezenas de bilionários que o estado passou a ter nesse período e a projetos e investimentos escolhidos.

Que fique claro. O desenvolvimento (ou o subdesenvolvimento) de um estado não se improvisa. Ele é cuidadosa e lentamente construído. A prosperidade privada também.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.