PRECISAMOS FALAR DO BC DO B – Parte 7

Dizem alguns historiadores que os “médicos” durante a Idade Média costumavam aplicar três “remédios” ou “tratamentos” para enfrentar quaisquer que fossem as doenças das pessoas: purgante, sangria e jejum. Conforme o estado do paciente, usavam um ou dois, ou os três, em doses e proporções que definiam como se tudo fosse uma ciência. Causavam danos e estragos nessas pessoas, mas seguiam apostando. Também alguns livros dizem que os barbeiros eram demandados como cirurgiões. Coitados dos pacientes. Submetidos a tais “tratamentos”, eventualmente não melhoravam. Ao contrário, pioravam. Então, os “médicos” mostravam sua convicção e sua “ciência” aumentando as doses. Mais sangria, mais purgante e mais jejum. Pobres pacientes, coitados. Ninguém oferecia opção a esses “médicos”, quem se atreveria….

Lembro esse pedaço da história para dar uma referência concreta ao leitor do estrago que se pode fazer, na economia como na medicina, com a falsa ciência, com convicções burras e com gente fanática. E eles são cada vez mais ousados. E o pior: experimentaram o sabor de acreditar no que dizem, não querem mais largar o osso e contam com o apoio de relevante parcela da população (e da imprensa tradicional) para alcançar mais resultados com seus remédios e tratamentos. 

Os médicos daquele tempo parecem ser os economistas de hoje, essa turma de economistas “do mercado”.

O equivalente desse trio de “tratamento” (sangria, jejum, purgante, que serve para tudo) na gestão da economia brasileira chama-se Tripé Macroeconômico. Nasceu na segunda metade dos anos 1990, governos FHC, o país quebrado pelos tucanos e pelos erros e exageros do Plano Real. São três “remédios” ou “tratamentos”: câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário.

Funciona mais ou menos assim: fora do Tripé Macroeconômico nada faz sentido, nada existe, nada pode ser feito. Não é ciência. É dogma, questão de fé. Não importa qual seja a situação do país no momento, aplique-se e obedeça-se ao Tripé Macroeconômico. Ou seja: cortem-se gastos com o “andar de baixo”, aumentem-se os juros do “andar de cima” e manipulem-se as cotações do dólar em movimentos típicos de uma montanha russa.

Todo mundo sabe que todo país minimamente inteligente manipula a taxa de câmbio para proteger seus interesses. E se proteger da manipulação de câmbio dos outros. Há muito em jogo e o jogo nem sempre é leal, e as regras do jogo mudam. Nada de fanatismo, o que vale é o pragmatismo. O Banco Central quer ser puro, ingênuo e casto num ambiente de absoluta malícia, perdição. A gestão de câmbio por aqui é desastrosa.

A sério: um banco central sério faz da taxa de câmbio um indicador confiável para quem quer investir e produzir  no país; isso pede uma taxa estável, confiável. 

Mundo afora metas de inflação não são objetivos, são elementos frutos de circunstâncias, como choques de oferta ou excesso (ou queda) de demanda. O bom senso recomenda remédios e tratamentos conforme a doença, conforme o paciente e suas circunstâncias. E nunca aplicar dosagem que transforma remédio em veneno. Como o Banco Central do Brasil faz  abusivamente com o juro.

Déficit ou superávit primário é aquele que conta o dinheiro conforme o destino: se o destino do gasto é social (educação, saúde, segurança etc) o gasto faz mal; se o gasto é financeiro, então é bom. Entendeu? Gasto com juro é livre, sem limite, sem culpa. Qualquer outro gasto, intolerância absoluta, tolerância zero. Isso não é ciência econômica, é uma (cruel) escolha politica. 

O Banco Central do Brasil é a instituição responsável pela gestão da dívida pública interna, o maior número da economia brasileira. Perto de oito trilhões de reais. E define o juro que o país pagará sobre essa colossal montanha de dinheiro. E ele também opera em câmbio, comprando e vendendo dólar.

O Banco Central age como se estivesse na Idade Média, aplicando purgante, jejum e sangria no paciente chamado Brasil. E pouca gente se atreve a dizer que isto é má ciência.

É estranho, nem o presidente da República eleito pelo povo consegue alterar este “tratamento”. E o Brasil segue subdesenvolvido, desigual e injusto. O Banco Central é quem manda. Ou obedece a quem realmente manda, vai-se saber…

Com jejum, sangria e purgante, diagnóstico errado, tratamento errado, o tempo passando, o Banco Central vai aplicando jejum, sangria e purgante, e o  país vai morrendo aos poucos.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.