Este texto tem a intenção de fazer um contraponto ao artigo esperto e estranho de Rafael de Castro Alves, no Jota.Info, que desde o título (O Banco Central e a Democracia) parece querer defender o indefensável.
Fim da Segunda Guerra Mundial. Começam as três décadas de ouro. Países e empresas crescem e trabalhadores ganham emprego, salários e direitos. Todos prosperam. O poder público comanda, planejando, induzindo e financiando o desenvolvimento. Se necessário, até como empreendedor. De repente…
A economia mundial sofreu nos anos 1970 um impacto profundo: o preço do petróleo triplicou. A economia desorganizou-se. Toda a sociedade ocidental sentiu-se ameaçada, seu estilo de vida foi posto em cheque. Era o Choque do Petróleo.
Na década seguinte, ainda sob os efeitos do susto e do medo, lideranças políticas e bem articuladas forças econômicas promoveram um cavalo de pau nos modos de governar e de tocar o capitalismo.
Vieram os governos neoliberais com as ideias de Estado Mínimo, parcerias público-privadas, globalização, desregulação. No mundo empresarial, as ideias novas eram a consolidação de setores estratégicos, as parcerias público-privadas e ênfase na financeirização (em lugar da ênfase na produção).
A convergência desses dois movimentos foi rápida, inevitável, quase automática. Gestão pública e negócios privados se imbricaram para grandes transações. Parcerias, concessões, privatizações, fluxo livre de mercadorias e de dinheiro, o Estado se apequena e o empresário privado se agiganta.
Nesse contexto e nessa trajetória, o poder político e econômico muda de mãos. O sistema bancário assume o poder e passa a dar as cartas. Afinal, tudo começa e acaba em dinheiro, não mais em produção, esta é a nova lógica.
Os países periféricos seguem a onda, submissos. O Estado se enfraquece e se esvazia: enxuga custos, diminui seus quadros, terceiriza o que pode, privatiza o que consegue. Os setores empresariais produtivos perdem força e influência. As instituições financeiras ocupam todos os espaços de influência e poder.
A fusão entre o público e o privado se dá pelo comando estratégico dos governos pelo sistema financeiro. Grandes bancos, grandes fundos (de pensão, mútuos, de previdência privada…) e seguradoras enormes dão as grandes linhas.
Exercem seu controle através de influência plena sobre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e também sobre a imprensa, fazendo a gestão da opinião pública. Se necessário, pressionando governos. Objetivamente administram a dívida pública de cada país, definam a taxa de juros, manobram a taxa de câmbio, financiam (ou não) empresas e pessoas, decidem se a bolsa sobe ou cai…
Depois da crise bancário de 2008/2009, este processo ficou agudo e praticamente explícito. O mercado financeiro está acima e além de qualquer poder, controle ou regulação. Ninguém o fiscaliza efetivamente. O “mercado” coordena o mercado. O Estado só “participa” quando convocado e devidamente orientado.
Nesse quadro mais geral, mundo afora, o Brasil se destaca. O “mercado” se impôs ao país. É a face oculta e discreta do Plano Real, dele sendo desdobramento e consequência. Com o fim da superinflação, os bancos precisariam de novas e fartas fontes de lucro. Seria conveniente dominar a politica econômica, assegurar pessoas confiáveis à frente do Ministério da Fazenda e do Banco Central, pelo menos. E ambos com porta-giratória. Liberdade absoluta na relação com os clientes (juros sem limites, imposição de tarifas de serviços, por exemplo), fiscalização tendente a zero e pouca competição. Fim dos bancos públicos.
A lista é longa e a cereja do bolo é assumir o controle absoluto do Banco Central, tirando-o dos governos e submetendo-o ao “mercado”. O desafio é tornar este indefensável absurdo minimamente palatável ou enfiar a medida goela abaixo do Parlamento e da população e os evitar que o Poder Judiciário atrapalhe.
Os trilhões da economia brasileira passam pelas mesas de operações do BC (e seus artilheiros), em doses diárias de bilhões de reais. Qualquer zero-vírgula por cento conta-se em milhões.