Precisamos falar de QSP…Parte 11 – por Osvaldo Euclides

O serviços públicos costumavam ser educação, saúde, segurança, transporte, comunicação, emergia, limpeza, iluminação, trânsito e água e esgoto. Eram públicos, e deveriam ser universais e gratuitos. Gratuitos, em termos: na verdade sempre foram e continuam sendo sustentados pelos impostos, contribuições e tarifas que paga a população. Com o passar do tempo, mesmo que não os universalizasse, o Estado foi se afastando de sua obrigação fundamental que é devolver em serviços de qualidade o que recebe em arrecadação. E o mercado foi assumindo fatias.

A criação de empresas estatais, organismos com maior autonomia e geridos por pessoas que não eram votadas direta e regularmente, foi o começo da mudança, e foi acostumando a população a pagar pela energia, pela água, pelo esgoto, pelo bonde. Primeiro, módicas tarifas, porque o investimento pesado já estava feito. Depois veio a busca direta do superávit.

Depois, às vezes lenta e sutilmente, às vezes aos saltos, a privatização foi avançando, ora para grandes companhias internacionais, ora para iniciativas empresariais nacionais. A ideia de parceria público-privada vem de longe. O Estado investe, expande, normatiza e depois concede ou vende, e passa a apenas fiscalizar. Raramente, nessas transações, o Estado leva a melhor. Também não leva a melhor o Estado quando estatiza o que não deve.

A grande onda de privatização começou depois da ação política de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, respectivamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra, nos anos 1980. O Consenso de Washington acelerou e facilitou tudo. Uma maré de opinião negativa abalou o serviço público, mundo afora, e deu espaço ao avanço empresarial privado no setor. Eram os tempos dos ditos países sub-desenvolvidos, depois chamados de países do terceiro mundo, hoje, era do politicamente correto, países emergentes (a característica geral é que estavam todos endividados e precisavam seguir a cartilha do FMI e do Banco Mundial, ou não receberiam empréstimos).

No Brasil, o discurso começou com Fernando Collor, a ação e a transação com Fernando Henrique. A promessa é que o Estado se retiraria do que não fosse relevante para a população e, com os recursos gigantescos arrecadados na privatização, melhoria suas finanças e se concentraria em melhorar radicalmente os serviços essenciais.A privatização foi efetivada, mas as melhoras nas finanças e na qualidade dos serviços, se aconteceram, não chegaram a ser sequer sentidas pelo povão.

Agora nesta última década, um novo movimento relevante se observa no palco dos grandes negócios. Chamam-no de consolidação. Primeiro, selecionam-se os setores econômicos que têm dimensão global gigantesca, demanda sustentável a longo prazo e alto potencial de lucros. Depois de analisados os setores, são escolhidas as empresas mais fortes e melhor geridas. Essas empresas começam a comprar as concorrentes e a “consolidar” o setor. Isso se faz com fartura de financiamento dos grandes bancos e fundos. Aconteceu e continua acontecendo em setores tipicamente privados (papel e siderurgia, por exemplo). Agora a consolidação se mostra especialmente ativa em serviços públicos, como educação, por exemplo. Muito em breve, o ensino superior no Brasil poderá estar privatizado (a universidade pública encolherá) e concentrado em poucas mãos. Esse mercado se tornou atraente depois que, mais recentemente, seu potencial foi sentido mais nitidamente.

Na saúde, o processo também seguirá a mesma direção, talvez apenas em menor velocidade. A segurança é hoje mais campo de negócios privados do que de serviços públicos. Comunicação, energia e transporte já foram privatizados quase completamente. Água e esgoto e combustíveis estão em marcha acelerada nesse rumo.

A privatização não é um mal em si. Também não é positiva por natureza. Depende de como o Estado a faz, depende de como o Estado normatiza o serviço, dos termos em que se definem a concessão, a parceria ou a venda (e o pós-venda). O Brasil já privatizou e já estatizou de volta. E depois privatizou de novo (lembram da Light?). Alguns países da Europa discutem reestatização de empresas de água e esgoto, em função de maus resultados e maus serviços. Enquanto isso, outros privatizam.

A questão sempre será a qualidade do serviço público (ou, se quiser, chame-o de serviço coletivo ou público prestado por ente privado). Não custa lembrar que o custo é um dos três elementos centrais da qualidade. E, quando privatizado, o custo costuma subir acima dos padrões anteriores.

Convém registrar que ocorrendo simultaneamente privatização e consolidação, o cidadão fica desprotegido duplamente. O novo prestador do serviço vai buscar o lucro como objetivo principal, e não terá concorrência efetiva, o último freio à ganância (e à baixa qualidade), talvez o único eficaz.

E se o Estado privatiza tudo, o que é mesmo que ele faz com o dinheiro que arrecada?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.