Pré-leitura do livro ‘Projeto Nacional de Desenvolvimento: o dever da esperança’, de Ciro Gomes

O AUTOR

Ciro Gomes, nascido em 1957, advogado e professor, foi deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, deputado federal, ministro (de Itamar Franco e de Lula) e candidato a presidente da República três vezes – em 2018 ficou em terceiro lugar.

A PUBLICAÇÃO

O livro ‘Projeto Nacional de Desenvolvimento: o dever da esperança’, de Ciro Gomes, foi lançado em 2020, com 274 páginas, prefácio de Mangabeira Unger, pela Editora Leya.

CIRCUNSTÂNCIAS

Ciro Gomes quer ser presidente, preparou-se para disputar e (se for o caso) exercer a função, percorreu o país, palestrou, conversou, debateu e continua fazendo tudo isso. A eleição de 2018, assim como a de 1998, não teve debate sobre o Brasil, e terminou elegendo talvez o menos preparado para administrar a nação, uma pena, para não dizer um desastre. Ciro Gomes expõe-se à crítica e abre a fórceps um debate com o seu Projeto, já que, por mil razões, nem o Parlamento, nem a Imprensa, nem a própria sociedade toma a iniciativa.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Uma evidente contribuição da obra é oferecer uma visão panorâmica sobre o Brasil, sua história recente, seus problemas, suas crises e suas possibilidades. Outra é penetrar fundo em alguns problemas que  não estão sendo enfrentados e se tornam cada vez mais dramáticos. O livro consegue articular questões econômicas com limites políticos, sem fugir de apresentar propostas objetivas, inclusive para a educação, para a saúde, para o meio ambiente e a segurança. O leitor não precisa ser eleitor de Ciro Gomes, nem mesmo simpatizar com ele para bem aproveitar a leitura, vale o investimento.

O LIVRO

O livro entrega ao final aquilo que promete no título e todo o texto do percurso é acessível ao leitor comum. O autor inicia relatando as três décadas e as circunstâncias em que o Brasil cresceu e industrializou-se (mais ou menos como acontece com a China nos últimos trinta anos), para, em seguida, mostrar as condições que fizeram o Brasil parar e andar de lado. Ciro mostra gargalos, constrangimentos e os interesses específicos a superar. Chega rápido aos dias atuais e faz uma abordagem ácida de governos e governantes mais recentes, concluindo com o Projeto Nacional de Desenvolvimento. O autor faz política e não foge do seu estilo e do seu tom, não deixa de repetir os méritos de sua trajetória, nada, entretanto, que comprometa o ritmo, a consistência das propostas e a qualidade do texto.

INSIGHTS

“Consciente ou inconscientemente, nosso modelo almejado de sociedade é o do desenho europeu (ou canadense, ou japonês), baseado em serviços públicos universais, não o modelo dos EUA”.

“Entre 1932 e 1980, o Brasil cresceu 6,75% ao ano em média, tendo picos de até 14%, como aconteceu em 1973. Entre 1981 e hoje, o país cresce a insustentáveis 2,2% ao ano em média.”

“…os países asiáticos mantiveram a associação harmoniosa entre mercado e Estado e se tornaram os mais dinâmicos do capitalismo contemporâneo, asumindo o papel de locomotivas da economia mundial”.

“Já tivemos, em 1985, a indústria de transformação responsável por 21,8% do PIB nacional. Em 2016, a indústria de transformação respondeu por somente 11,7% do PIB”.

“Não resta mais qualquer dúvida razoável de que o Brasil sofreu um golpe.”

“O Brasil levou quinhentos anos para produzir 31 bilionários e somente o ano de 2017 para produzir mais doze deles.”

“A estratégia da direita…manter a esquerda dividida e atrair o centro, trazer a eleição para questões comportamentais e paixões ideológicas e evitar a todo custo que o país discutisse em profundidade sua situação e o governo Temer, menos ainda propostas para sair dela.”

“As condições de produzir não são globais, são dramaticamente locais.”

“Custo de capital, tecnologia e escala: um grande desequilíbrio em qualquer uma dessas variáveis elimina as condições de competição enre duas indústrias ou serviços. Estamos em desvantagens nas três.”

“A integração latino-americana não é um ‘discurso bolivariano’, ela é para nós um imperativo econômico e estratégico previsto na Constituição.”

IDEIAS CENTRAIS

“Projeto é um conjunto de metas para as quais se estabelecem prazos, métodos de execução, supervisão, avaliação e controle, bem como orçamentação e definição de fontes de recursos…O “nacional” do termo lembra que não há um modelo universal a ser seguido, pois as condições de empreender, produzir e trabalhar seguem dramaticamente nacionais e não globais…Por “desenvolvimento” entendemos o aumento tanto da riqueza produzida por um país como das capacidades e habilidades do seu povo, suas condições de vida e felicidade…”

“Não basta uma nação se posicionar e se organizar da forma certa para se desenvolver. Ela tem que ser capaz de impedir que potências estrangeiras destruam essa organizacão e sabotem esse desenvolvimento. Porque é isso que todas tentarão, de modo mais ou menos audacioso de acordo com seu nível de poder e interesse, o tempo todo. Pensar qualquer coisa diferente disso é de uma ingenuidade inaceitável, e não se sustenta à luz da história brasileira e mundial, antiga e recente.”

“Nem aos EUA, nem à China, nem a nenhum país industrializado interessa o desenvolvimento de nossa indústria e tecnologia. Só conseguimos fazer isso com um projeto nacional, muita vontade política, investimento próprio, diplomacia hábil e soberana, força militar e um razoável aparato de contrainteligência para impedir a sabotagem estrangeira.”

“Ao Brasil não interessa entrar de cabeça em nenhum dos dois grandes jogos imperialistas de nosso tempo, o norte-americano e o chinês. Assim como Rio Branco fez entre Inglaterra e EUA, Getúlio Vargas fez entre EUA e a Alemanha e Ernestro Geisel fez entre EUA e a União Soviética, o que cabe a nós é defender os interesses do Brasil em meio a esses conflitos…”

“O neoliberalismo nos trouxe até aqui. Mas não nos tirará daqui. Como podemos ver agora, de repente o mundo inteiro recorre, novamente, ao keynesianismo. A Europa pede um novo Plano Marshall. Os EUA pedem um novo New Deal. É claro que nós, no Brasil, temos que pedir um novo plano de recuperação como o de Vargas, em 1930. O que essa crise deixa claro é que o Estado terá que liderar os esforços de empresas e indivíduos para que a sociedade não colapse.”

“Estamos à beira de vários precipícios: o precipício do autoritarismo, da desindustrializacão, do desemprego e da miséria e da perda completa da soberania nacional. Nosso país encontra-se perto de um ponto de não retorno. Um ponto que, se atravessado, pode nos condenar definitivamente à periferia do mundo e à perda da soberania. Não podemos mais alimentar os ódios, os diversionismos e os devaneios. Precisamos acordar desse sono da razão que só produz monstros e encontrar o caminho para o Brasil retomar seu sonho sempre interrompido e adiado de se tornar um país desenvolvido e justo.”

“Nada substitui um projeto nacional, e por sua natureza o mercado não pode oferecer a gestão e a coordenação deste. É o Estado que tem que organizar as forças políticas, econômicas e acadêmicas, criando as condições de investimento e trabalho para superar os gargalos da economia em direção a metas. Deve fazer isso contando com uma academia ocupada em encontrar as respostas tecnológicas aos problemas de desenvolvimento.”

“A agricultura brasileira não vive somente do agronegócio. No país convivem dois modelos agrícolas distintos, e o segundo deles é o da agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que consumimos internamente e por 75% dos trabalhadores no campo…a agricultura familiar tira mais da terra: responde por 38% do valor da produção agrícola, ocupando apenas um quarto da área produtiva brasileira.”

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.