Pré-leitura do livro “Pós-Verdade”, de Matthew D’Ancona

AUTOR

Mattthew D’Ancona é jornalista e escritor britânico. Colabora com suas análises em vários jornais e revistas e publicou diversos livros.

A PUBLICAÇÃO

O livro ‘Pós-Verdade – a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news’, de autoria de Matthew D’Ancona, foi publicado no Brasil em 2018 (em Londres, um ano antes), com 142 páginas, pela Faro Editorial.

CIRCUNSTÂNCIAS

A busca e o respeito pela verdade são conquistas da humanidade nos últimos quatro ou cinco séculos, com influência decisiva do Iluminismo e da ciência moderna. Nas décadas mais recentes a verdade parece perder força e prestígio. A mentira, as fake news, os “fatos alternativos”, as teorias conspiratórias, combate à vacina e à ciência e outras aberrações que pareciam condenadas ao passado contaminaram a estrutura institucional, através de tecnologias sem limites e sem critérios, e ameaçam destruir a democracia e a base civilizatória duramente conquistadas pela sociedade global.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

As decisão dos britânicos de abandonar a Comunidade Europeia e a escolha dos norte-americanos por eleger Donald Trump mostraram as garras afiadas e os dentes agudos do monstro desconhecido que agia e age em silêncio e à sombra. Toda a estrutura e todas as instituições se viram contaminadas, parcela quantitativamente relevante vida sociedade aderiu até com entusiasmo. O livro contribui para que as mentes lúcidas compreendam o que aconteceu, como e porque aconteceu. E aponta caminhos para frear este processo, antes que seja tarde.

O LIVRO

Diz o autor no primeiro parágrafo do primeiro capítulo: para tudo há um tempo: 1968 teve início a grande revolução da liberdade pessoal e o desejo pelo progresso social; 1989 será lembrado pelo colapso do totalitarismo; e 2016 foi o ano que lançou a era da “pós-verdade” de forma definitiva. A natureza, as origens e os desafios dessa era são o que este livro procura abordar.

A obra está estruturada em cinco capítulos breves. O autor usa a linguagem jornalística e se faz bastante claro na exposição de seu estudo.

O livro abre com a abordagem dos dois fatos que marcaram o ano de 2016 com enorme impacto e surpresa: o Brexit (a surpreendente decisão dos britânicos de sair da Comunidade Europeia) e a vitória de Donald Trump para presidente dos EUA.

Segue-se uma leitura do passado que se conecta com o drama presente da desinformação e da manipulação.

Adiante, o pós-modernismo recebe atenção do autor. Ao caminhar para o final, o autor faz recomendações específicas de como enfrentar o problema e tentar evitar o desastre.

INSIGHTS

“Especificamente, investigo o valor declinante da verdade como moeda de reserva da sociedade e a difusão contagiosa do relativismo pernicioso disfarçado de ceticismo legítimo.

“Após o término da Convenção Constitucional, na Filadélfia, em 1787, Benjamim Franklin foi abordado por uma mulher que perguntou que tipo de governo fora escolhido. “Uma república, senhora. Se formos capazes de mantê-la”.

“Nossas crenças vêm em primeiro lugar. Nós inventamos razões para elas. Sermos mais inteligentes ou termos acesso a mais informações não necessariamente nos deixa menos susceptíveis a crenças deficientes.

“Para a acusação urrada pelo personagem de Jack Nicholson em “Questão de Honra” —- ‘Você não é capaz de lidar com a verdade’ —- , não temos nenhuma resposta pronta.

“O insight principal de Hofstader era a distinção que ele inferiu entre a paranoia dos conspiradores contemporâneos e o alarmismo daqueles que, em séculos passados, apontaram suas armas contra, por exemplo, católicos, maçons e os Illuminati da Baviera.

“Para aqueles que estão na mídia social, o anonimato reduz drasticamente a responsabilização.

IDEIAS CENTRAIS

“Na maior parte da história humana, histórias tribais e mitologias compartilhadas fizeram mais para explicar o comportamento humano do que a avaliação fria da evidência verificável. Todas as sociedades possuem suas lendas fundadoras que as unem, moldam seus limites morais e habitam seus sonhos de futuro. Desde a Revolução Científica e o Iluminismo, porém, essas narrativas coletivas competiram com a racionalidade, o pluralismo e a prioridade da verdade como base para a organização social.

“Na longa decadência do discurso político, que, finalmente, conduziu à era da pós-verdade, a classe política e o eleitorado conspiraram em favor da degradação e debilitação do que dizem um ao outro. Promessas irrealizáveis são compatibilizadas com expectativas absurdas; os objetivos inalcançados são ocultados pelo eufemismo e pela evasão; o hiato entre retórica e realidade gera desencantamento e desconfiança. E, em seguida, o ciclo recomeça. Quem ousa ser honesto? E quem ousa dar importância à honestidade?

“Na história, nenhuma teoria da conspiração foi mais virulenta ou mais catastrófica no custo de vidas humanas que o antissemitismo. É o ódio mais antigo, mas um que se adaptou constantemente e assumiu formas recém-malignas. O ódio aos judeus sempre esteve em ambos os polos do poder político. Com sinistra previsibilidade, a ascensão do nacionalismo populista e da direita alternativa coincidiu com o surpreendente aumento de incidentes de antissemitismo em todo o mundo.

“Em outras palavras, a tecnologia das comunicações subverteria nossas noções herdadas do real. Lembre que a profecia de Baudrillard a respeito da mídia social se tornar tanto uma medida de pertencimento como fonte de desinformação — notícia falsa — foi feita oito anos antes de sir Tim Berners-Lee inventar a World Wide Web, 23 anos antes do surgimento do Facebook e 25 anos antes da criação do Twitter. Nisso, como em outros aspectos, os textos pós-modernistas prepararam o terreno para a pós-verdade.

“Na consequente cacofonia, o fluxo de informações é cada vez mais dominado pela interação par a par, em vez do imprimátur da imprensa tradicional. Consumimos aquilo de que já gostamos, e evitamos o não familiar. O dínamo supremo da novidade também se tornou o curador do boato, do folclore e do preconceito. Que fique bem claro: isso não é um defeito de projeto. É aquilo que os algoritmos se destinam a fazer: conectar-nos com as coisas que gostamos, ou podemos vir a gostar. Trata-se de algo bastante responsivo ao gosto pessoal e — até agora— bastante cego à veracidade. A Web é o vetor definitivo da pós-verdade, exatamente porque é indiferente à mentira, à honestidade e à diferença entre os dois.

“Esse não é um apelo ao sentimentalismo, mas justamente o contrário. É uma convocação às armas, um lembrete de que a verdade é descoberta, e não divulgada, que é um ideal a ser perseguido, e não um direito a ser esperado indolentemente. Nossas demandas como cidadãos para que a verdade seja dita devem ser moderadas pela razão, mas não amansadas pela complacência. Nossa insistência deve ser implacável.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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