O AUTOR
Michel Laub é escritor e jornalista. Nasceu em 1973, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul (e mora em São Paulo). Publicou seis romances, todos pela editora Companhia das Letras. Até o final deste ano de 2017, segundo a orelha do livro, ele terá sido editado em seis idiomas em dez países. Segundo lugar no Prêmio Jabuti, Laub já foi premiado na França e na Inglaterra. Também foi finalista em disputas de premiação em Portugal e na Irlanda.
A PUBLICAÇÃO
O livro “O tribunal da quinta-feira”, de Michel Laub, foi lançado no Brasil com 182 páginas, pela Companhia das Letras, em 2016. É o sexto romance do autor gaúcho.
CIRCUNSTÂNCIAS
A trama se desenvolve em tempos atuais, em Porto Alegre, embora a cidade seja pouco focada, tendo como personagem principal um bem sucedido profissional de publicidade que, aos 43 anos de idade, tem uma crise que acaba com seu casamento. A ex-mulher, sabendo-se traída, deixa vazar na internet uma apimentada troca de e-mails dele com um amigo publicitário gay soropositivo.
A IMPORTÂNCIA DA OBRA
O impacto da AIDS (a Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida) nos anos 1980 foi dramático, mormente junto à comunidade gay. O tratamento da doença vai se tornar possível apenas na virada do século. Como não há cura, mas apenas o bloqueio do efeito rápido e mortal da doença, muitas das implicações dela continuam ameaçando e impactando vidas. Michel Laub constrói uma trama que envolve pessoas ameaçadas pela síndrome ainda nos dias atuais. Sexo, principalmente, mas também poder, assédio, amizade e medo se misturam na excepcional habilidade do escritor e oferecem ao leitor um clima especial para a leitura.
O LIVRO
A troca de e-mails entre dois amigos, ambos publicitários, um hétero e um homosexual, cai nas mãos da ex-mulher de um deles, que os deixa vazar na internet. O que parecia ser um pequeno problema vai se agigantando à medida que se descobrem fatos e segredos inconvenientes sobre a vida dos dois.
O personagem principal José Victor é o narrador em primeira pessoa da história que se complica cada vez mais e se coloca simultaneamente na posição de réu, testemunha e juiz, enquanto revê sua vida desde os anos 1980, quando a AIDS cai sobre a juventude como uma ameaça brutal, mortal, invencível.
O rico ambiente da publicidade oferece sua dose de leveza ao contexto. A carreira bem-sucedida do profissional e todo o seu projeto de vida estão agora sob ameaça direta, até porque descobre-se no vazamento um caso que ele tem com uma funcionária (redatora-júnior) vinte e três anos mais jovem.
Os desdobramentos da crise vão se acumulando e se afunilando até a quinta-feira imediatamente seguinte quando o tribunal deverá oferecer sua sentença.
CURTAS
— Parece estranho, mas publicitários sabem ler. Alguns até sem mexer os lábios.
— Eu já criei um anúncio de um banco que dizia, aproveite a vida, dinheiro não é a coisa mais importante.
— Pobre mulher ignorante. A mulher na gaiola enquanto o dono decide até quando o show vai continuar.
— Eu tive poucos amigos depois de adulto. Eu conheço muito pouca gente com senso de humor.
— Quantos alunos no campus inteiro tinham lido mais do que cinco livros na vida?
— Eu pedi um drinque atrás do outro, fui até o banheiro e enchi o nariz de pó para passar a noite me sentindo à vontade comigo mesmo.
— Tudo começa e termina no corpo, e aprendi a também ver nessa sensação um sinal bom de que estou vivo.
BONS MOMENTOS
— A tuberculose era conhecida como mal do século, o sintoma dos excessos dos poetas românticos na era vitoriana. Por muito tempo o câncer foi o contrário, o nome que não era dito, o resultado dos sentimentos sufocados por pessoas desprovidas de caráter e vontade. Já o que surgiu em 1981 foi visto como uma mistura das duas coisas, o resultado dos abusos de quem não tem força moral para resistir à natureza e ao mesmo tempo uma condição não dita, uma sigla científica e neutra que esconde um conceito que se espalhará apenas à boca miúda.
— As mulheres diziam que talvez fosse hora de os homens reverem esse comportamento. Que a identidade deles não era passar o dia escolhendo cortes de carne numa sauna. Os homens diziam que haviam brigado a vida toda para poder se comportar exatamente assim. Para alguns defensores do último ponto de vista, homens se comportam exatamente assim porque são homens, e não porque são gays. A diferença é que no outro polo da relação não está uma mulher, e sim alguém com os mesmos instintos de dominação e objetificação carnal que mantém o funcionamento do açougue.
— O departamento de criação de uma agência normalmente trabalha com duplas, um redator e um diretor de arte, e as duplas às vezes têm assistentes, ou usam o trabalho do redator 2, ou do redator 3, e abaixo de todos há o que no passado se chamava de escravo, depois estagiário, mas hoje fica melhor definir como redator-júnior porque as leis trabalhistas e a governança de quem está se preparando para ser comprado por um grupo internacional de comunicação assim exige.
— Todo fascista julga estar fazendo o bem. Todo linchador age em nome de princípios nobres. Toda vingança pessoal pode ser elevada a causa política, e quem está do outro lado deixa de ser um indivíduo que erra como qualquer indivíduo, em meia dúzia de atos entre os milhares praticados ao longo de quarenta e três anos, para se tornar o sistema vivo de uma injustiça histórica e coletiva baseada em horrores permanentes e imperdoáveis.
— O argumento em todos esses casos é que palavras significam posturas. Posturas significam ações. Ações significam consequências. O filtro da linguagem é o primeiro anteparo contra a violência, e há todo um vocabulário que legitima, como naturalização de conceitos construídos histórica e ideologicamente, a agressão às vítimas – sejam eles gays, negros, judeus, pessoas em posição social fragilizada, pessoas em situação emocional vulnerável.
— Trata-se de gente criada num lar de costumes rígidos, que passou a infância ouvindo ameaças do padre ou da professorinha e tem algo a esconder na própria sexualidade. É tão fácil enxergar os defeitos dessa caricatura, o sujeito reprimido que dedica a vida a estragar o prazer dos outros por inveja ou medo.