Pré-leitura do livro O Caso Veja, de Luís Nassif

O AUTOR

Luís Nassif é jornalista nascido em 1950, em Minas Gerais, além de compositor, músico e escritor. É fundador e editor do Jornal GGN e da TV GGN. Trabalhou nos grupos Folha, Estadão, Editora Abril, TV Cultura, Bandeirantes e Gazeta. Foi criador da Agência Dinheiro Vivo.

A PUBLICAÇÃO

O livro “O Caso Veja, o naufrágio do jornalismo brasileiro”, de Luís Nassif, foi lançado em 2021, pela Kotter Editorial, com 344 páginas.

CIRCUNSTÂNCIAS

Luís Nassif tem uma longa e singular trajetória como jornalista. Com estilo próprio, recusa-se a aderir a consensos e ondas tão comuns no meio, costuma opor-se a esse comportamento de manada. Coloca-se de forma responsável contra aquilo que condena, e o faz normalmente de forma aberta e direta. Há tempos ele denuncia na imprensa tradicional o que ele chama de antijornalismo, jornalismo de esgoto e jornalismo marrom (este um termo bem antigo). E coloca a revista Veja, pelas mãos de Ricardo Civita, como principal responsável pela introdução e desenvolvimento mais radical dessa estratégia a partir de 2005.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Há um evidente comportamento disfuncional das redes sociais, que corrompe a informação, frauda o processo eleitoral e manipula o desenvolvimento político, colocando em risco a própria democracia. Mas as redes sociais ainda não foram reguladas, vivem numa selva, sem nenhum limite.
O que Nassif revela é que a imprensa tradicional também faz mau jornalismo e ameaça os mesmos valores e princípios. Titula o livro com a revista Veja, mas inclui Globo, Folha e Estadão e conta casos concretos ocorridos nos últimos quinze anos.

O LIVRO

Os primeiros momentos do livro O Caso Veja selecionam e detalham eventos, personagens e ideias que foram decisivas para compor a trajetória do jornalismo. Mostram como o Brasil importou dos EUA os modelos e estilos e os adotou sem qualquer mediação ou moderação.

Daí em diante o autor conta quase uma dezena de verdadeiras campanhas antijornalísticas com inconfessáveis objetivos políticos ou comerciais. E o faz com datas, detalhes, dando os nomes e usando a lógica.

Alguns nomes aparecerão com destaque: o tucano José Serra, o banqueiro Daniel Dantas, o bicheiro Carlinhos Cachoeira, os jornalistas Euripedes Alcântara e Diogo Mainardi, sem falar de membros do judiciário.

INSIGHTS

“As denúncias sobre a busca do sensacionalismo, o uso da informação para fins comerciais ou jogadas econômicas, o assassinato de reputações e outros abusos inerentes à nova forma de comunicação, acompanharam a imprensa desde o seu nascimento.

“Com o telégrafo sem fio nasceu a primeira agência de notícias – a Associated Press. E com ela a primeira interferência notável dos grupos de mídia nos processos eleitorais…O resultado foi a homogeneização da política e dos valores, conferindo enorme poder político aos controladores da AP.

“Em pouco tempo, a Editora Abril, do Brasil, e o Editorial Abril, da Argentina, lançaram 19 títulos de revistas. Em 1966 a Abril lançou a revista Realidade, baseada na Life. Um ano depois, a Exame, baseada na Fortune. Em 1968, a Veja.

“No governo Figueiredo foram outorgadas 295 rádios AM, 229 FMs e 40 emissoras de televisão – 23,5%, 56,3% e 27,35% do total de emissoras existentes no país, a maior parcela outorgada a empresários e políticos ligados ao governo.

“E a parte mais podre do jornalismo – na opinião de alguns autores da época – não eram definitivamente os jornais sensacionalistas, mas aqueles que atuavam diretamente junto aos centros de poder, o que se convencionou chamar de o quarto poder, a imprensa de opinião.

“As redes de TV abertas criaram um mercado nacional para produtos e ideias ampliando o alcance das redes de rádio. A publicidade provinha de produtos de alcance nacional, justamente os de consumo produzidos por grandes grupos econômicos, mas não apenas eles.

“…a ATT – detentora do monopólio nacional de telefonia – montou uma rede própria de 16 emissoras, o mesmo produto sendo transmitido para 16 públicos diferentes, trazendo uma notável economia de escala…o auge foram as “conversas ao pé do fogo“, de Franklin Delano Roosevelt, com as quais enfrentou o bombardeio da imprensa escrita.

IDEIAS CENTRAIS

“O apogeu da imprensa escrita aconteceu no período de 1890 a 1920. Surgiram aí os chamados “barões da mídia“ ou “barões ladrões“, como eram alcunhados, especialmente os norte-americanos William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer. Eles definiriam os dois padrões que dominariam o estilo dos grupos de mídia no século. Pulitzer praticava o chamado jornalismo de opinião, buscando público qualificado e formas de interferir nos centros de poder…Já Hearst abria mão de qualquer escrúpulo e tratava as informações como ferramentas de negócios. A partir do seu trabalho se consolida o termo “imprensa marrom“…No Brasil pré-televisão, Pulitzer serviu de inspiração para os Mesquita, de O Estado de S. Paulo. Hearst, para Assis Chateaubriand, dos Diários Associados.

“Os financiadores da mídia passam a ser os grandes anunciantes nacionais, voltados ou não para o mercado de consumo. E os avalistas das concessões públicas, os governos nacionais…Tudo passa a ser tratado como mercado – do mercado de consumo ao de opinião. E os grupos de mídia tornaram-se instrumentos de venda de produtos de consumo, de construção ou destruição de marcas e de venda ou desconstrução de ideias para influenciar decisões de governo, de políticos e de magistrados…A política se tornou, dali para a frente, seu território preferencial de atuação.

“Essa parceria – grandes empresas, agências, governo e grupos de mídia – esculpe o que seria conhecido no século 20 como “american way of life“, peça central da sociedade norte-americana, tanto nos hábitos de consumo como na massificação de ideias e conceitos. O marketing passa a ocupar um espaço cada vez maior nas vendas, na diplomacia e na política, criando um mundo mitológico, glamoroso – ajudado pelo fascínio da indústria do entretenimento de Hollywood.

“As agências de publicidade ajudam não apenas a homogeneizar o mercado de consumo da classe média incluída, como tornam-se as grandes financiadoras da mídia local e, através dela, ganham relevância imediata no mercado de opinião. A expansão do capitalismo internacional, na sua versão norte-americana, se dá, portanto, em torno de duas redes transnacionais. A primeira, a do mercado financeiro e do circuito do grande capital. A segunda, a da mídia.

“Com autorização para matar e para criar a nova elite de celebridades midiáticas, diretores de redação julgaram que eles próprios poderiam cavalgar a onda e ocupar o posto de liderança da nova intelectualidade que a mídia pretendia forjar a golpes de manchete. Um acordo com a editora Record garantiu lançamentos de livros e um trabalho de divulgação visando transformá-los em celebridades. Cada lançamento de membros do grupo recebia cobertura intensiva de todos os veículos do cartel, páginas na Veja e na Época, resenhas na Folha, Globo e Estadão, entrevistas na Globonews e no programa do Jô.

“Desde os anos 80, cada vez mais Veja se especializaria em “construir“ matérias que assumiam vida quase independente dos fatos que deveriam respaldá-las. Definia-se previamente como “seria“ a matéria. Cabia aos repórteres apenas buscar as declarações que ajudassem a colocar aquele monte de suposições em pé. Essa preparação prévia da reportagem ocorria toda segunda-feira nas reuniões de editores. Era chamada de “pensata“.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.