O AUTOR
Stefan Zweig (1881-1942) foi um escritor austríaco (contos, romances, peças e biografias). Estudou Literatura e Filosofia. Morou também na Alemanha, Inglaterra, EUA e Brasil (aqui lançou o livro “Brasil, país do futuro”, em 1941, um ano antes de sua morte trágica).
A PUBLICAÇÃO
O livro “Montaigne”, de autoria de Stefan Zweig, foi lançado no Brasil em 2015, pela Editora Madalena, com 101 páginas.
CIRCUNSTÂNCIAS
O livro “Montaigne” traz a biografia resumida do filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592), autor de uma sequência de livros clássicos chamados ‘Ensaios’ (a palavra passa a nomear um gênero literário). Montaigne fez literatura e teve vida pública, como prefeito e magistrado em Bordeaux, na França, além de articulador e negociador. Stefan Zweig escreveu parte relevante desta obra no Brasil. E não a finalizou.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
Michel de Montaigne foi privilegiado observador da história da França em tempos difíceis. Ele encarnou o espírito livre de seu tempo. E escreveu sobre isso e sobre um mundo em transformação.
Nascido em berço nobre, Montaigne recebeu educação reforçada desde muito cedo — dos quatro aos seis anos aprendeu latim (antes mesmo do francês), para assim poder acessar as boas obras escritas então disponíveis. Depois, as melhores escolas e os mais afiados mestres. Também cuidou do corpo desde criança (foi criado, por decisão pai, por uma família de carvoeiros), e treinado para ser forte e resistente.
A obra se insere numa sequência de títulos em que Zweig faz o perfil e expõe a visão de mundo de figuras marcantes do humanismo europeu.
O LIVRO
Este livro examina a vida de Michel de Montaigne pelo olhar simpático (e também admirado, quase encantado) do experiente biógrafo Stefan Zweig.
Em nove capítulos breves e por apenas cem páginas, Zweig estrutura a biografia deste brilhante ensaísta francês, sem mergulhar em detalhes desnecessários ou inúteis, considerando seu objetivo. Busca o autor jogar luz sobre o espírito que inspirava e alimentava Montaigne para que ele fizesse em seus Ensaios a original e competente leitura do mundo, de seu tempo. E assim exibe a alma sensível do biografado e muito sugere sobre a própria.
Michel de Montaigne é um personagem curioso, único, singular em tudo. Stefan Zweig não disfarça sua afinidade com o biografado e já nas primeiras páginas deixa nítidos em belas palavras o seu sentimento e a inclinação do texto.
CURTAS
“… Montaigne tentou fazer a coisa mais difícil do mundo: viver-se a si mesmo, ser livre e tornar-se cada vez mais livre.
“… Repetiu com inúmeras variações que seu casamento não ocorreu por amor, mas foi uma união racional, e mesmo que condena os casamentos por amor e considera corretos apenas aqueles do outro tipo.
“… Montaigne viaja para se libertar e, durante toda a viagem, dá exemplo de liberdade. Viaja, caso se possa falar assim, seguindo seu nariz.
“Montaigne repete sem cessar que o que chamamos de preocupação não tem seu peso próprio, mas nós o aumentamos ou diminuímos. As coisas não têm peso próprio, senão aquele que nós lhes atribuímos.
“Montaigne buscou sempre e em toda parte a liberdade e o mutável, mas também a família é uma limitação e o casamento, uma monotonia, e tem-se ademais a impressão de que ele nunca foi plenamente feliz em sua vida doméstica.
“Em toda a obra de Montaigne encontrei uma única fórmula e uma única afirmação categórica: “a coisa mais importante do mundo é saber pertencer a si mesmo”.
BONS MOMENTOS
“… O jovem Montaigne, antes de alcançar sua sabedoria adquirida e refletida, não possui senão a sabedoria instintiva de amar a vida e a si mesmo nesta vida. Nada nele está decidido ainda, nenhum objetivo por ele aspirado se deixa entrever, nenhum talento se manifesta com nitidez ou autoridade. O indeciso e curioso jovem de 20 anos procura no mundo, com seus olhos curiosos, o que este mundo pode lhe oferecer e o que pode dele receber.
“… Essa luta de Montaigne pela salvaguarda da Liberdade interior, talvez a mais consciente e mais tenaz que um homem de espírito jamais conduziu, não tem si, em sua superfície, o mínimo de dramático ou heroico. Seria artificial enfileirar Montaigne na lista de poetas e pensadores que lutaram, com suas palavras, pela “liberdade da humanidade “…
“… A verdadeira tragédia na vida de Montaigne foi ter que observar de forma completamente impotente, a despeito de uma imperturbável vigilância espiritual e do mais compassivo tremor da alma, essa horrível recaída do humanismo na bestialidade, um desses esporádicos surtos de loucura da humanidade, como a que mais uma vez vivenciamos em nossos dias. Em sua terra, em seu mundo, ele não testemunhou efetivamente um só momento em que reinassem a paz, a razão, a concórdia e a tolerância, todas essas sublimes forças do espírito às quais sua alma estava prometida.
“… Montaigne construiu para si uma fortaleza em casa. Ele pode sair, ninguém pode entrar. E ele pode alternar quando quer ser proprietário, patrão, pai, marido ou filho, e o faz apenas quando quer… Tem-se a impressão de que ele quer disciplinar a si mesmo para a solidão. Na medida em que ele não se submete ao juramento como um eremita que segue uma regra religiosa, ele quer ele próprio se limitar e se coagir. Talvez nem mesmo ele saiba o porquê. Mas é uma vontade interior que o move.
“… Entre as muitas coisas das quais Montaigne duvidou está também a possibilidade de transmissão das sabedorias e das verdades. Não crê nos livros nem nas doutrinas, somente na parte deles que foi vivenciada. Dá-se conta de que nem Cristo, nem Platão, nem Sêneca, nem Cícero ajudaram o mundo e de que em sua época são possíveis as mesmas bestialidades que o foram sob os reis romanos. Não se pode doutrinar os homens, apenas guiá-los para que se busquem a si mesmos, para que vejam com os seus próprios olhos.
“… Sabendo que posso desfrutar deles quando quiser, estou satisfeito com o mero fato de os possuir. Nunca viajo sem livros, em tempos de paz ou de guerra. Ainda assim, frequentemente passo dias e meses sem olhar para eles. Irei lê-los aos poucos, digo a mim mesmo, amanhã ou quando me convenha… São as melhores provisões que encontrei para esta jornada humana… Minha biblioteca é meu reino, e nela tento fazer com que meu governo seja absoluto.