Pré-leitura do livro “Império do Bacamarte”, de Joaryvar Macedo

O AUTOR

Joaquim Lobo de Macedo, também conhecido como Joaryvar Macedo (1937-1991), foi professor universitário e escritor, secretário de Estado nas áreas de cultura e desporto, membro da Academia Cearense de Letras.

A PUBLICAÇÃO

O livro “Império do Bacamarte”, de autoria de Joaryvar Macedo, teve sua quarta edição em 2022, pela Ayni Produções Culturais, com 318 páginas.

CIRCUNSTÂNCIAS

Nas quatro décadas entre 1890 e 1930, o Cariri viu muitas cenas de violência e morte nas lutas políticas, nas guerras pela propriedade de terras e nas disputas de interesses e de dinheiro. Os municípios eram dominados pelos coronéis, que baseavam seu poder na força das armas dos cangaceiros e na quantidade de votos de cabresto. Não raro, um coronel atacava e destronava um outro. O governo estadual participava apoiando o mais forte (e vitorioso) e sendo por ele apoiado. A igreja ora apoiava, ora fechava os olhos. Governador, prefeitos, juiz, promotor, delegado, chefe de polícia local, todos quase completamente submissos à lei do bacamarte ou ao princípio do “fato consumado” (venceu, vamos apoiar).

Nas décadas seguintes o coronelismo foi se transformando, sem desaparecer por completo. No seu auge, foi uma mistura bem tropical de faroeste com máfia, só que mais escancarada e mais sanguinária.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A dimensão da questão pode ser avaliada pelo “pacto dos coronéis”, assinado em 1911, por 17 manda-chuvas de cidades do Cariri. Nos artigos um e dois a promessa de todos de não mais atacarem uns aos outros para tomar o poder e de não mais dar abrigo aos cangaceiros. Padre Cícero assinava o documento. Havia mulheres no comando dessas hordas de assaltantes e assassinos. Joaryvar Macedo produz um texto histórico a partir de pesquisas sérias e bem referenciadas.

O LIVRO

O livro está estruturado em vinte e dois capítulos. O tema coronelismo é introduzido e explicado, da origem ao apogeu, nos quatro primeiros, com contexto e circunstâncias do Ceará e do Brasil. Daí em diante sucedem-se eventos dramáticos típicos de guerra. A história de cada coronel, cada município, cada golpe aplicado contra outro coronel, alianças, traições. A cumplicidade de instituições como o Estado e a Igreja, até o Exército.

Como a pesquisa está centrada no Cariri, a figura do padre Cícero se expõe com mais nitidez, e algumas contradições e conflitos de interesses aparecem, sem pré-julgamentos.

O livro é uma importante explicação de como o poder se articulou a partir do sul do Ceará. E ajuda a entender melhor muito do que acontece ainda hoje.

O autor cita nominalmente todos os coronéis e suas famílias, cidade por cidade, e autoridades complacentes com os crimes. Destaca três figuras femininas do coronelismo: dona Generosa Amélia da Cruz, dona Fideralina Augusto de Lima e Maria da Soledade Landim (também conhecida como Marica Macedo ou Marica do Tipi). E explica fatos de repercussão como a questão do Coxá, a questão dos Geraldos, a questão de 8, o pacto dos coronéis, o fogo dos Taveira…

INSIGHTS (Curtas)

“Seus redutos transformaram-se em covis de cabras armados e em valhacouto de cangaceiros.

“Recebia, nas fazendas, o delinquente de ocasião, transformava-o em profissional, e este por isto ou por aquilo, terminava no cangaço.

“Em todas essas tramoias, pairava o beneplácito da política de dominação do governo, aliado ao poder econômico, fomentado, inclusive, pelo sistema fundiário.

“Pelas primeiras décadas do século atual, mais do que nunca, no Cariri, ao sul do Ceará, como, de resto, por outras regiões, imperou a força do clássico bacamarte, coadjuvada pela afiada lâmina do punhal.

“Desgraçadamente, as quadrilhas de malfeitores, organizadas para a perpetração de assaltos e outros delitos, contavam com a proteção da polícia e até de autoridades.

“A ida do doutor Floro e do conde belgo-francês Adolfo van der Brule para o Cariri prendia-se a interesses comuns, visando exatamente às terras do Coxá, onde constava haver as jazidas de cobre.

“O pistoleiro é o cangaceiro metamorfoseado…antes, o cangaceiro, depois, o pistoleiro, a serviço dos coronéis de ontem e de hoje.

“Lampião abastecia-se de munição comprada em Juazeiro, principalmente à polícia… essa transação induzia Lampião a amiudar sua presença pacífica num mesmo trecho do extremo sul do Ceará.

IDEIAS CENTRAIS  (Bons Momentos)

“No território pátrio, o fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e consolidou-se após o advento da República. Chegando ao apogeu ao tempo do presidente Campos Sales (1898-1902), quando da instituição da denominada Política dos Governadores, que ensejou a expansão das oligarquias nas diversas unidades federadas, mais ainda se desenvolveu o coronelismo, como forma de apoio aos governos estaduais, que, por sua vez, serviam de esteio ao poder central.

“Quanto ao Nordeste, no Ceará, onde talvez se tenha desenvolvido com mais intensidade, notadamente na sua faixa meridional, assumiu o fenômeno proporções estarrecedoras. Nesse tanto, merecem destaque os diversos casos de deposição de chefes políticos por correligionários seus, ao fragor das balas do tradicional bacamarte, força invencível que substituiu o processo eleitoral legítimo e eliminou os demais poderes, para que restasse apenas o poder dos velhos oligarcas.

“Se a polícia cearense, de sociedade com os potentados, não costumava molestar o bando de Lampião, em suas andanças e coitos, no sul do estado, trégua nem sempre lhe davam os policiais pernambucanos. Vingando a chapada e transpondo as fronteiras, perseguiam aos bandoleiros com tenacidade.

“Suspenso, havia anos, do exercício das ordens sacras face ao rumoroso episódio conhecido por ‘questão religiosa de Juazeiro’, o padre Cícero, em fins do primeiro decênio do atual século, achava-se empenhado em duas causas, para ele de capital relevância: a autonomia do ainda distrito de Juazeiro e a demarcação das terras da fazenda Coxá, onde também era proprietário. Todavia, registre-se datar dessa época sua opção pela política. Transformou-se na maior liderança, inclusive eleitoral, de toda a hinterlândia cearense, e Juazeiro no centro das decisões políticas da região, influindo peremptoriamente, nas do Estado, também por força da habilidade e ascendência do doutor Floro Bartolomeu da Costa, que, aliás, gostava muito dos homens do cangaço…

“O ‘pacto dos coronéis’ tem sido um dos assuntos controvertidos da crônica política do Cariri, inclusive quanto a quem o concebeu. Sua ideação já foi atribuída por estudiosos ao padre Cícero, ao doutor Floro, ao coronel Antônio Luis Alves Pequeno, ao presidente Nogueira Acioli, ao doutor Arnulfo Lins e Silva, então juiz de Barbalha.

“É inegável que, nas décadas supervenientes ao primeiro quartel do fluente século, se vem assistindo a um declínio lento do coronelismo. De outro ângulo, também se há presenciado um empenho considerável no sentido de sua sobrevivência e afirmação, à viva força, da parte mesmo dos coronéis modernos ou civilizados, como hoje se diz, saídos não poucos dentre eles dos centros de formação superior, quer civil, quer militar. Por isso, não se equivocam quantos afirmam não ter sido extinto o fenômeno, mas apenas modificado.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.