O AUTOR
Alberto Manguel é escritor, tradutor e ensaísta argentino, nascido em 1958. Sua obra mais conhecida, ‘Uma História da Leitura’.
A PUBLICAÇÃO
O livro “Encaixotando minha biblioteca – uma elegia e dez digressões”, de autoria de Alberto Manguel, com 184 páginas, foi lançado pela editora Companhia das Letras.
CIRCUNSTÂNCIAS
Em 2015, mudando de residência (de Paris para Nova Iorque), Manguel organiza (e empacota para viagem) sua biblioteca de 35 mil obras. E vai pondo em palavras curiosas e carinhosas reflexões e lembranças de sua relação com seus livros, trazendo eventos históricos relevantes para o presente, e analisando-os com delicada originalidade.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
Alberto Manguel traz neste trabalho uma significativa contribuição para que a sociedade perceba e compreenda o real e insubstituível papel do livro na trajetória rumo a um desenvolvimento democrático, justo e belo. Sim, as bibliotecas públicas e privadas são protagonistas temidas, perseguidas e destruídas por todos os regimes autoritários.
O LIVRO
O livro se estrutura numa elegia e dez digressões, exatamente como sugere o seu subtítulo. Em cada pedaço do texto Manguel deixa visível seu carinho pela leitura e pela comunidade que se forma e se firma através dos laços que juntam escritores e leitores, e se expande com bibliófilos, editores, tradutores…. Lê-se com prazer.
O incêndio da biblioteca de Alexandria é assunto, assim como a Biblioteca Nacional da Argentina (ele, gestor), e outras. A conexão da leitura com o desenvolvimento pessoal e social está sempre presente. O digital e o impresso mostram suas diferenças. Deus e a solidão também estão lá.
O mundo do livro ficou maior e mais bonito nessas poucas páginas.
CURTAS
“… minhas bibliotecas formam uma espécie de autobiografia em múltiplas camadas, todos os livros sustentando o momento em que os li pela primeira vez.
“… Não me sinto confortável numa biblioteca virtual: você não pode verdadeiramente possuir um fantasma (embora um fantasma possa possuí-lo)…
“… Creio que emprestar um livro significa incitar o roubo.
“… O escritor (os anglo-saxões chamam de “o fazedor”) foi visto como o queridinho dos deuses, um ser eleito a quem foi concedida a dádiva de escrever.
“… Desde o começo dos tempos sabemos que as palavras são criaturas perigosas.
“… Agir como cidadãos, em tempos de paz ou de guerra, é em certo sentido uma extensão de nossa leitura, uma vez que os livros contêm a possibilidade de nos guiar…
“… os cidadãos se tornam conscientes da importância de ler, primeiro como uma habilidade fundamental e, segundo, como uma forma de estimular e liberar a imaginação.
“… quando Diodoro Siculo visitou o Egito no século I d.C., ele viu, na entrada das ruínas da antiga biblioteca, uma inscrição gravada: “Clínica da Alma “.
BONS MOMENTOS
“… na minha experiência, o que funciona de vez em quando, mas nem sempre, é o exemplo de um leitor apaixonado. Às vezes, a experiência de um amigo, um pai, um professor, um bibliotecário, obviamente emocionado com a leitura de determinada página, pode inspirar, se não a imitação imediata, ao menos a curiosidade. E isso, acho eu, é um bom começo. A descoberta da arte da leitura é íntima, obscura, secreta, quase impossível de descrever.
“… Estudos científicos concluíram o que leitores sabem há muito tempo: a literatura, melhor que a vida, proporciona um educação no campo da ética e permite o crescimento da empatia, essencial para que a pessoa participe do contrato social.
“… É claro que a literatura pode não salvar ninguém da injustiça, das tentações da cobiça ou das desgraças do poder. Mas algo nela deve ser perigosamente eficaz, já que todo governo totalitário e todo alto funcionário ameaçado tentam elimina-la, queimando livros, proibindo livros, censurando livros, aplicando impostos sobre livros, limitando-se a fazer de conta que respeitam a causa da alfabetização, insinuando que a leitura é uma atividade elitista.
“… Tomando conhecimento do propósito divino, as letras do alfabeto desceram da coroa augusta de Deus, na qual tinham sido escritas com pluma de fogo, e uma por uma disseram a Deus: “Criai o mundo através de mim! Criai o mundo através de mim!“ Das 26 letras Deus escolheu Bet, a primeira letra da palavra bendito, e o mundo surgiu…a única letra que não se ofereceu foi a modesta Aleph. A fim de compensar sua humildade, Deus mais tarde deu a Aleph o primeiro lugar no alfabeto. Dessa antiga convicção deriva a metáfora de Deus como autor e o mundo como um livro: um livro que tentamos ler e no qual também estamos escritos.
“… Sustento que as bibliotecas públicas, contendo textos tanto virtuais como materiais, são um instrumento essencial para lutar contra solidão. Sustento o lugar delas como memória e experiência de uma sociedade. Digo que, sem as bibliotecas públicas e sem conscientização do papel que desempenham, a sociedade baseada na palavra escrita está fadada ao desaparecimento.
“… Quando, em 587 a. C., Nabucodonosor incendiou o Primeiro Templo de Jerusalém, os sacerdotes se reuniram com as chaves do Santuário, subiram no teto em chamas e gritaram: “ Mestre do Mundo, como não merecemos ser guardiões fiéis, que as chaves lhe sejam devolvidas! “. Atiraram então as chaves em direção ao céu. Diz-se que surgiu certa mão que apanhou-as, após o que os sacerdotes se jogaram no fogo.