Pré-leitura do livro A Pedra de Sísifo, de Paulo Elpídio

 

AUTOR

Paulo Elpídio é Cientista Político, exerceu o magistério e foi reitor da UFC, secretário da Educação e Ensino Superior do MEC, secretário da Educação  do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE. Tem vários livros publicados.

A PUBLICAÇÃO

O livro A Pedra de Sísifo – Carta de bordo de interminável navegação de cabotagem e marinhagem política, de autoria de Paulo Elpidio de Menezes Neto, foi lançado em 2021 pela editora Expressão Gráfica, com 357 páginas, prefácio de Lúcio Alcântara, orelhas de Fábio Campos e contracapa de Osvaldo Araújo.

CIRCUNSTÂNCIAS

Paulo Elpidio é intelectual que está sempre presente no debate público, publicando livros e escrevendo artigos na imprensa tradicional e em blogs nas redes sociais, entre outras atividades. Ao longo de alguns anos acumulou em dois desses veículos de comunicação (Focus e Segunda Opinião) textos com complementaridade e afinidades que justificavam sua edição em livro. A Pedra de Sísifo atende (muito bem) a esta demanda (cobrança) de seus qualificados leitores.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Senhor da arte de bem escrever, dono de estilo único e observador atento das idas e vindas e dos altos e baixos da política e da administração pública, Paulo Elpidio oferece uma visão exclusiva de eventos que marcam a história do país e de algumas relevantes figuras da República. E tudo tempera com dados históricos, pitadas de ironia e doses de bom humor, ora panorâmico, ora mais profundo, sempre com leveza. A Pedra de Sísifo vai ser lido e relido sem cansar.

O LIVRO

A sequência de textos não obedece cronologia e qualquer tipo de hierarquia. O autor oferece ao leitor ciência política e história numa divisão lógica e de bom gosto, claramente explicada na apresentação, com a precisão de um mapa e com possibilidades abertas.  O leitor poderá sentir, ao longo da leitura, a vontade de enquadrar livro e autor nos adjetivos e padrões mais corriqueiros. Dificilmente terá sucesso, melhor será entregar-se e deixar-se levar, como num passeio por mar aberto, pelo experiente navegador.

CURTAS

“Eu, que nunca fui de esquerda, tampouco sou ou fui de direita, não pelejo em favor do antiamericanismo, tampouco alimento argumentos fáceis à altura do anticomunista, torço pelo Flamengo, adoro pequi, nunca me deixei atrair pelo estruturalismo, odeio muitas coisas da pós-modernidade.

“Quem mais peca, mais cuidados merece, e os encorajamentos da fé para expiação dos tropeços e premiação pelo arrependimento, como nas práticas correntes entre pecadores na clausura.

“Estes exercícios de ceticismo praticante, de muito poucas certezas e ponderáveis perplexidades, são dedicados, também, aos ativistas-bibliólogos da Livraria Cultura, em Fortaleza, bibliômanos uns, bibliofrênicos, outros, e raros bibliopatas — todos cidadãos bons, de acendrado “esprit de corps”.

“Sísifo é o herói do absurdo, a figura mítica que encarna a desobediência castigada, a astúcia derrotada pela força, vítima da condenação que não aniquila, porém submete o recalcitrante à tortura do repetir sem cessar, sem proveito e sem razão, uma rotina extenuante.

“Lula persevera na decisão de reformar o Código Penal e adverte os juristas sobre o seu direito a continuar preso. Considera-se unilateralmente um preso político, compara-se a Mandela e corteja o Nobel da Paz.

“Geisel, dado a poucas leituras de textos constitucionais, emprestou, entretanto, a sua personalíssima contribuição ao moldar a nossa democracia como “lenta, gradual e segura”, classificação que, de resto, reflete, com exatidão, como poucos cientistas políticos ousaram fazê-lo, a democracia que sempre tivemos, interrompida, a prazo, pelas seguidas intermediações do poder castrense.

“O capitão, de tão apagadas estrelas no exército e um quarto de século nas lides parlamentares, não é melhor nem pior de quantos o antecederam e certamente dos que hão de sucedê-lo nas artes da governança. Já não são poucos, aliás,  os que porfiam pelo direito de empenhar o seu patriotismo pelo bem da pátria. Mais numerosos são, no entanto, os desvalidos de juízo que se aprestam para ungir os seus “mitos”, incorrendo nos mesmos equívocos de onde saíram os maiores predadores das  nossas ilusões como povo e cidadãos.

“A mídia-empresa é parte de um império capitalista, mas tem um jeitão de esquerda. Os observadores mais atentos não conseguem distinguir (ou evitam descobrir o que preferem não enxergar) qual das partes puxa a outra. Qual delas encarna o papel de “companheiro de estrada” como Lenin chamava de forma depreciativa os ingênuos aliados de ocasião.

“Em 1945 e 1985, quando se romperam as correntes da exceção e dois governos autoritários findaram o seu domínio, a queda dos governantes e a transição ulterior ocorreram por vias de negociações dissimuladas, espécie de pacto da rendição, sem comoções cívicas: tudo foi resolvido entre as partes interessadas…

BONS MOMENTOS

“Não foram poucos os mestres celebrados entre nós pela argúcia e a sutileza de que se serviam na delicada navegação dos contrários, nas porfias contra as incertezas do acaso que transformam a política, na sua “práxis” cotidiana, em um jogo de riscos em que os parceiros eventuais valem-se da própria esperteza, das circunstâncias e das fraquezas do adversário. A “habilidade” dos homens, a sua capacidade de contornar o imprevisível e os incômodos éticos eventuais, a faculdade que avulta em alguns desses animais políticos para esquecer e recomeçar são qualidades apreciadas, virtudes exemplares que se sobrepõem às coisas menores que assaltam os espíritos comuns dos homens sem qualidades.

“Ensaiando o (des)aprendizado propedêutico a que me obrigo como cidadão (o “contrato social”, com o perdão de Rousseau, é uma obrigação contraída sem audiência prévia), arrisco-me a oferecer aqui, sem qualquer pudor, alguns palpites impertinentes. A democracia é uma forma de governo revolucionária; obriga os cidadãos ao respeito da maioria e da minoria – ideia subversiva abominada pelos extremos da topografia político-ideológica. Ela pressupõe um razoável padrão de cultura política para reproduzir formas e modelos de comportamento político “democráticos”. Na Europa, entretanto, o fascismo e o nazismo despontaram e se consolidaram como força política em Estados fortes, com o apoio de populações esclarecidas, munidas de um lastro cultural apreciável, em face de uma “ameaça externa” iminente.

“Alguns episódios recentes ilustram o viés que anima o governo a desenvolver instrumentos de controle social e político em suas próprias oficinas, uma forma de usinagem doméstica, artesanato feito no capricho. Imaginaram os arquitetos da nova ordem ampliar o horizonte dos direitos humanos, categorizando-os sob sua jurisdição particular, esquecidos de alguns princípios que, outrora, se incluíam nas atribuições constitucionais do Congresso e dos Tribunais Superiores. Houve quem, motivado pelas boas causas, que, pelas más, não terá sido, naturalmente, pensasse em subordinar a mídia a um conselho de notáveis para fustigar-lhe os excessos.

“Para eleger-se deputado ou senador, o pleiteante vocacionado para as boas obras deveria contar com algum capital de contado, na algibeira, para as operações de compra e venda no mercado dos “colégios”, ter assegurada a proteção dos agenciadores do “nihil obstat” da LEC ou de recomendação expressa das suas virtudes ao eleitorado de fé. Fora desse arco poderoso de patrocínio, garantido pela credibilidade da Igreja e pela eficiência dos “colégios”, controlados pelo coronelato matuto, ninguém se elegia para coisa nenhuma. Maçom, homem separado, vivendo em concubinato, protestante, todos eram cartas fora do baralho.

“Ademais, nestes anos recentes, de grandes eventos e revelações sedutoras, assistimos a mudanças e transformações que não teriam ocorrido aos espíritos mais perspicazes da república velha e daquelas que a seguiram, antes dos novos tempos: a federalização das oligarquias. Tiramo-las do nicho tradicional do poder local, segundo as relações desenhadas por Weber, abolindo as relações endogâmicas entre chefe-político e eleitor. E as transformamos em relações privilegiadas e republicanas, nas quais o governo assume a condição de “potentado” e, sem intermediação, pratica a sua laboriosa obra de proteção e convencimento dos pobres de sempre.

“Nisso de crenças e ideologias, recordo ter ouvido uma conversa, em família, de meu avô, de quem tomei o nome por empréstimo alongado, com o professor Hermes Lima. Recordava ele, de seus antigos embates políticos na ditadura Vargas, que sempre levara desvantagem perante a autoridade policial, os agentes do poder e da fé. Muitos dos intelectuais que o acompanhavam nas manifestações de rua ou nos monólogos da cátedra, como se dizia pomposamente, recorriam a uma arma irresistível, a que Hermes Lima chamava de “guarda-chuvas da conveniência”. Ou da hipocrisia, como explicou. Quando acusados de comunistas, naqueles tempos reimosos de patriotas a solta, objetavam enérgicamente:

“Mas eu sou católico!”.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.