PRÉ-LEITURA DO LIVRO “A AÇÃO HUMANA”, DE LUDWIG VON MISES

O AUTOR

Ludwig Von Mises (1881-1973), economista austríaco (e cidadão dos EUA), foi um dos inspiradores da Escola Austríaca do pensamento econômico.

A PUBLICAÇÃO

O livro “A Ação Humana – um tratado de economia”, de Ludwig von Mises, foi lançado em 1949, com 924 páginas. Nos últimos anos ganhou especial prestígio e teve inúmeras reedições mundo afora.

CIRCUNSTÂNCIAS

O estudo da economia nasceu pelas mãos de filósofos da moral (século XVIII), ganhou contorno de economia política (século XIX) e depois consolidou-se como uma focada ciência econômica (século XX), se podemos simplificar. Na segunda metade do século XIX aconteceu uma polarização (mais no campo intelectual do que na prática) capitalismo versus socialismo, que radicalizou o debate público que colocava como opções excludentes o Estado e o mercado. Na verdade sempre houve o espaço para os dois e papéis importantes e complementares para ambos.

Os autores se posicionavam e caricaturavam as características dos modelos “adversários”. De alguma maneira, para alguns personagens, essa confrontação era conveniente. E a ciência ganhou paixão.

Este livro surge nos primeiros anos do período pós-segunda guerra mundial, o mundo se refazendo de duas grandes guerras e uma depressão. E ouvindo discursos sobre a “ameaça comunista”, quando as ameaças reais eram o nazismo e o fascismo.

Os liberais clássicos perderam espaço para os que passaram alimentar um certo fanatismo contra a intervenção do Estado, contra o sindicalismo, contra proteção tarifária no comércio internacional, contra direitos trabalhistas…Como se o capitalismo estivesse ameaçado e não fosse forte o suficiente para conviver bem com isso tudo e ir em frente.

A obra literária de Karl Marx e a Revolução Russa (além de um capitalismo selvagem nos primórdios da Revolução Industrial) estimularam autores liberais e deram munição a fazer da intervenção do Estado um fantasma ameaçador.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Ludwig von Mises lança bases da Praxeologia (teoria da ação humana) e aponta que essa ela envolve a Economia, e não o contrário. O livro, à medida que avança, vai se tornar cada vez mais econômico. E também político. Esta obra dá a Mises papel de destaque na formação da Escola Austríaca de pensamento econômico, onde Frédéric Hayek sempre foi muito mais festejado, reconhecido e premiado (ganhou até o Prêmio Nobel).

O fato é que Mises é um liberal mais radical que Hayek. Nos tempos atuais isso parece virar o jogo — Mises é mais festejado hoje. Não custa lembrar que ambos trazem o liberalismo a um nível mais agudo que os liberais clássicos, a turma do “laissez-faire”.

O LIVRO

O livro se estrutura em sete grandes partes, que se desdobram em trinta e nove capítulos. E estes se dividem em textos com assuntos mais específicos. Às sete partes: a ação humana, a ação na sociedade, cálculo econômico, economia da sociedade de mercado, cooperação social sem o mercado, intervenção na economia de mercado e o lugar da economia na sociedade.

Esta obra de Mises oferece ideias controversas e chega a usar argumentos pouco consistentes. Vamos a um exemplo. Ao abrir uma seção sobre a pobreza, o autor sugere uma só forma de combate: a caridade. E se o dinheiro para a caridade é pouco, a sugestão é fortalecer o capitalismo gerador de riqueza e esperar mais caridade. Outro exemplo é uma certa tolerância com o trabalho infantil (lembrando que o livro foi editado em 1949).

INSIGHTS

As pessoas começaram a atribuir ao Estado não apenas a perfeição moral, mas também intelectual. 

Aos olhos dos racionalistas do socialismo, a economia de mercado é simplesmente uma incompreensível aberração da humanidade. 

A flexibilidade dos preços das commodities e dos salários é o veículo de ajuste, melhoria e progresso. 

Nenhum imposto pode ser neutro. A própria ideia de um imposto neutro é tão irrealizável quanto a da moeda neutra. 

Eles acreditam que restringir as horas de trabalho e proibir o trabalho infantil sobrecarrega exclusivamente os empregadores e é um “ganho social“ para os assalariados. 

A ciência não valora, fornece ao homem que age todas as informações de que precisa para fazer a sua valoração. A ciência só fica em silêncio quando se levanta a questão de saber se vale a pena viver a própria vida. 

Para o homem, há apenas dois princípios para apreender a realidade, a saber, a teleologia e a causalidade. 

O destino da civilização moderna, conforme desenvolvida pelos povos brancos nos últimos duzentos anos, é inseparavelmente ligado ao destino da ciência econômica. 

É comum aos indivíduos mais limitados diminuir aquilo que é próprio de alguém diferente deles. 

O que é comumente chamado de “revolução industrial“ foi o fruto da revolução ideológica produzida pelas doutrinas dos economistas. 

BONS MOMENTOS

Ação humana é comportamento intencional. Ou podemos dizer: ação é vontade posta em movimento e transformada em força atuante; é almejar fins e metas; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições de seu ambiente; é o consciente ajuste de uma pessoa ao estado do universo que determina sua vida… O campo da nossa ciência é a ação humana e não os eventos psicológicos que resultam em uma ação. É precisamente isso que distingue a teoria geral da ação humana, a praxeologia, da psicologia… porque não fazer nada e se tornar inútil também são ações e também determinam o curso dos eventos… A ação humana é, necessariamente, sempre racional. O termo ação racional é, portanto, pleonástico e, assim sendo, deve ser rejeitado. Quando aplicados aos objetivos finais da ação, os termos racional e irracional são inapropriados e sem sentido. 

Foram as ideias dos economistas clássicos que removeram as investigações impostas pelas antigas leis, costumes e preconceitos sobre o avanço tecnológico e libertaram o gênio de reformadores e inovadores da camisa de força das guildas, da tutela do governo e das pressões sociais de vários tipos. Foram elas que reduziram o prestígio de conquistadores e expropriadores, e demonstraram os benefícios sociais oriundos da atividade empresarial. Nenhuma das grandes invenções modernas teria sido posta em uso se a mentalidade da era pré-capitalista não tivesse sido ruidosamente demolida pelos economistas. 

A economia é uma ciência teórica e, como tal, se abstém de qualquer julgamento de valor. Não é seu papel dizer que fim as pessoas deveriam almejar. É uma ciência dos meios que são aplicados para atingir os fins escolhidos e não, com certeza, uma ciência da escolha dos fins. As últimas decisões, a avaliação e a escolha dos fins estão além do escopo de qualquer ciência. A ciência nunca diz a um homem como ele deve agir se ele deseja alcançar fins definitivos. 

Na medida em que o governo — o aparato de compulsão e de opressão — limita o exercício de sua violência e a ameaça dessa violência à supressão e prevenção da ação anti-social, prevalece o que, de maneira razoável e significativa, pode ser chamado de liberdade. O que é contido é tão-somente conduta fadada a desintegrar a cooperação social e a civilização. 

É verdade que os empreendedores são egoístas e buscam seus próprios lucros. Entretanto, na economia de mercado, eles só podem lucrar satisfazendo da melhor maneira possível as necessidades mais urgentes dos consumidores. Os objetivos do empreendedorismo não diferem daquele do rei perfeito. Pois este rei benevolente também não pretende nada além do emprego dos meios de produção com vistas á máxima satisfação alcançável do consumidor. 

O sistema de caridade é criticado por dois defeitos. Um é a escassez dos meios disponíveis. No entanto, quanto mais o capitalismo progride e aumenta a riqueza, mais suficientes se tornam os fundos de caridade… Mesmo para aqueles com renda moderada é oferecida a oportunidade, por meio de apólices de poupança e seguro, de preparar-se para acidentes, doenças, velhice, educação dos filhos e apoio a viúvas e órfãos. É bem provável que os fundos das instituições de caridade venham a ser suficientes nos países capitalistas se o intervencionismo não sabotar as instituições essenciais da economia de mercado.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.