PONDO ORDEM NO LÉXICO POLÍTICO DAS NOSSAS IDIOSSINCRASIAS ***

Como andamos todos muito esquecidos e amedrontados seria oportuno que alguém, desta miríade de bacharéis que faz a cabeça dos brasileiros, abrisse as anotações de classe e se dispusesse a nos explicar como funciona o sistema político adotado aqui em casa.

Qual foi a aula que perdemos quando os nossos mestres-constitucionalistas deixaram o jurisdicionismo em que se embrenharam e deitaram os seus saberes sobre coisas triviais como Estado, governo, mandato e representação, democracia e esta metáfora adorada pelos políticos a que chamam a defesa do “Estado democrático de direito”?

O que estudei no quadro impertinente da Teoria Política não deixou espaço para acrescentar as regrinhas jurídico-constitucionais que definem os poderes republicanos e como eles, em geral, funcionam nos países que reclamam a exceção de democracia em um mundo dominado pelo totalitarismo.

A velha história de “freios e contrapesos” era mesmo para valer ou não passavam de metáforas dissimuladas de uma engrenagem emperrada de travessuras constitucionais bem construídas?

Não por acaso levanto estas dúvidas essenciais às vésperas desta “sexta-feira da paixão”, tão carregada de conotações e intenções esquecidas.

O que é, afinal, uma ditadura e no que ela apresenta de diferente em relação à democracia?

Como explicar o silêncio obsequioso e indecente dos “pais-da-pátria” e dos parlamentares em face de tantas mudanças trazidas pelas leituras desordenadas das fontes suspeitas do “new constitutionalism” que fala alemão, arrota em latim e improvisa novas figuras jurídicas em despachos e embargos quilométricos com vazios de lógica e tropeços de estilo?

Passei a usar, por precaução e asseio ético, uma palavra cunhada na França, a pátria universal da verbalização. DEMOCRATURA. Pode ser empregada como substantivo ou como adjetivo. Há quem pretenda usá-la como advérbio…

Tanto faz. Dos avanços da ciência política sobre o direito constitucional, este verbete pode ser contabilizado como milagre de construção de uma práxis testada, sólida, bem sucedida e pontual.

Designa com precisão os regimes autoritários que fizeram tanto sucesso no passado com a população castrense; e agora enchem de empáfia e elevado orgulho os veneráveis senhores da toga.

Democratura seria, por assim dizer, a síntese, a redução racional e lógica da democracia ao estado originário de um governo discricionário — e eficiente.

É um termo que ressuma, na essência, mais o arcabouço jurídico de onde extrai as suas energias, do que os traços teóricos que a ciência política poderia dispensar-lhe.

Data venia.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.