[fim da tarde]
tem pirâmide não,
bem,
tem prédio;
alto quiçó.
tão retângulo,
tão pastel;
mas tem o céu,
bonito quiçó.
o céu é azul,
é laranja,
branco cinza lilás.
tava tão radiante
o fim da tarde;
nem vi a noite chegar.
[mimimi]
i
estilhaço de bomba
no coração
insurgente.
urgente foi o dia
que te disse
não.
hoje nenhum trago
resolve
o que trago no peito.
amarga e sincera
é a companhia
da solidão.
duas palavras
ou mesmo três
nenhuma.
fico mudo
observo o xêro
lembrança.
hoje choro
parede-branca do muro
criança.
tenho muita
saudade no peito
alguma.
iii
menino danado
um dia se estrepa
cutuca
cutuca
abre a ferida
até sair pus.
cupido de flecha
atira
machuca
abre ferida
no coração dx meninx.
menino danado
mãe manda logo
pra casa.
quando crescido
dá de cupido
atira
acerta
machuca
cutuca cutuca
volta chorando pra casa.
[tios-avós]
profissão de santo
não é
tarefa fácil.
velhice é mal
que ataca
sem perdão.
dois velhos
moravam sozinhos
numa casa;
na outra, vazio
– irmãs partiram
primeiro.
o mais velho
não se aguentava
mais só;
o outro, delírio.
certo dia
iluminado
mandou que arrumassem
o piso
da outra casa.
a família não entendeu.
o velho não
aceitava ninguém:
tio, sobrinho, vizinhos
não podiam
morar ali.
quem pode
saber as dores
do velho
camponês
casto
aspirante a santo?
pra alívio
da família
o velho disse por quê:
estava esperando
uma princesa.
quem?
maria, amor de infância?
rosinha, delírio recente?
não.
antes fosse.
o velho arrumava
a casa
pra visita
da
morte.
[pé de macaxeira]
seis pé
de macaxeira
plantou –
porque cansou
de sementar
destruição
pra ter que colher
depois
ruína.
terra dura
seca
sem jeito.
“sobrinho doido”,
ti disse,
“plantou no seco,
num vinga
não”.
nem foi
no terceiro dia,
mas certo dia
amanheceu
dolorido
o coração –
amor plantado,
muito mal
cuidado,
que a praga
arrasou.
amanheceu
chorando tanto
que o céu
em pranto
fez sinal
de chuva –
água que escorre
molhando
a terra
lavando
a alma.
“sobrinho teimoso”,
ti disse,
“agora vinga”.
[srª estranheza]
certo dia
bateu-lhe
à porta
uma senhora
– estranha.
sem pedir
licença
entrou
sentou-se
à distância
fitou-lhe
nos olhos.
tomou
seu chá
da tarde
resolveu
passar
a noite
a semana o mês
– nunca mais
foi embora.
[mãe]
nem viu
o que fez
infeliz.
mãe quase
nunca tem sorte
mesmo:
filho pródigo
que nunca saiu;
filho-bom
que partiu.
o primeiro quase
viveu.
o segundo
dia desse morreu
– tédio.
na farmácia
não tem remédio
não.
não tem
o que alivie
a-dor
que só
mãe sente no
peito
– faca que
corta n’alma
punhal.
[nem viu
quanto que fez
feliz]