“A política é a arte de escolher entre o desastroso e o intragável”.
John Kenneth Galbraith
O poder econômico é a corrupção em si. Por sua vez, a corrupção com o dinheiro público, subproduto do sistema capitalista, não passa de uma gripe num corpo septicêmico.
O falacioso combate à corrupção política com o dinheiro do erário dito público (só a dívida pública o é) é a tradicional bandeira da direita que tenta justificar para o povo a razão de ser dos seus infortúnios.
O pior é que a cantilena de combate à corrupção estatal consegue ciclicamente obter resultados políticos; foi assim com Jânio Quadros (o homem da vassoura que ia varrer a corrupção); foi assim com Collor de Mello (que iria acabar com as mamatas e perseguir os marajás, mas colocou PC Farias na boca do cofre); e Boçalnaro, o ignaro, (que colocou o corrompido ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça).
O verdadeiro poder, o econômico, do qual o poder político é força auxiliar submissa, sem vontade soberana, é o poder onívoro da forma valor (dinheiro e mercadorias) que tudo transforma, consome e obriga à convergência obediente à ditadura da sua lógica matemática subtrativa do tempo/valor do trabalho abstrato.
O combate judicial à corrupção embute grande dose de hipocrisia, vez que tanto a lei como a justiça (que lhe deve obediência) fazem uma separação entre a corrupção intrínseca à lógica da forma valor e sua mediação social injusta que permite a acumulação autofágica do capital em detrimento de quem produz na base da produção social o mesmo valor acumulado por esta subtração injusta.
Trata-se de tratamento diferenciado para o gênero corrupção, no qual a mediação social pela forma valor é apenas espécie de uma outra espécie de corrupção: a subtração indevida do dinheiro cobrado pelo Estado a uma população já exaurida pela extração de mais-valia a que é submetida.
A corrupção consentida, oficialmente aceita, permite a escravização indireta pelo trabalho abstrato produtor de valor, que é a primeira e primária fonte de toda acumulação segregacionista do capital.
É decepcionante a constatação de que os grandes juristas e pensadores do direito evitem a abordagem sobre o corruptivo móvel da mediação social e justifiquem toda uma legislação civil e penal com firulas jurídicas que sempre esbarram na constatação de realidades sociais sob o pretexto de que “a lei é dura, mas é lei”, endeusada por estes no imperial e escravista brocado latino “dura lex, sede lex”.
A corrupção criminalizada tenta coibir o subproduto do sistema capitalista justamente porque fragiliza a cidadela de proteção do capital: o Estado.
O estado tem a função precípua de regulamentação e manutenção da ordem capitalista por suas instituições (executivas, legislativas, judicantes, militares, etc.), bem como de induzir o crescimento econômico criando a infraestrutura para a fruição do capital, e tudo financiado pelos impostos cobrados à população sob o pretexto de atendimento (cada vez mais deficiente) de demandas sociais básicas como saúde, segurança pública e educação.
Ora, com o Estado cada vez mais endividado e pagando juros pesados desta dívida (apenas aos países da periferia capitalista, porque os países do G6 não pagam juros, e a China capitalista, do G7, é excluída deste privilégio), a corrupção com o direito arrecado só piora o que caminha para um impasse irresolúvel.
Daí a preocupação relativa do legislador com a corrupção com o dinheiro público combatida pela justiça que é obrigada a cumprir o que está estatuído na lei como crime de peculato ativo e passivo.
Dizemos “relativa” porque é a própria lei quem estabelece verbas para a propaganda política partidária que nada mais é do que uma corrupção oficial e paga com o dinheiro da arrecadação dos impostos (as emendas parlamentares do centrão convergem também neste sentido).
A diferenciação acima exposta deriva de uma compreensão ética socialmente convencionada dentro de um padrão de segregação estrutural que em tudo diverge do melhor padrão moral do que é justo. Tanto o direito, como os cânones religiosos monoteístas (Alcorão, Torá e Bíblia) sempre encontram meios de justificar o injustificável.
Mas o capitalismo é formado por contradições irresolúveis que prenunciam o seu colapso funcional graças aos limites internos e externos que se lhe impõe a natureza intrínseca de sua formatação matemática e social.
Uma delas se consubstancia no fato de que os políticos, uma vez investidos no poder político, numa sociedade na qual o poder econômico é preponderante, e vivendo a disputa eleitoral político partidária na cíclica alternância de cargos da democracia burguesa republicana, precisam de dinheiro.
Obviamente, o grosso do dinheiro que subvenciona campanhas eleitorais somente pode advir de financiadores externos (os capitalistas interesseiros da macroeconomia) e capitalistas que têm relação de prestação de serviços os mais variados ao Estado (grandes obras, principalmente).
Todos estas formas de financiamentos representam prenúncio de corrupção, sejam praticadas pelos lobistas de plantão que assessoram políticos que frequentemente fazem leis corporativas (e são pagos por empresários e impostos cobrados ao povo por tal desserviço à população), ou pelo superfaturamento em licitações viciadas como todos estamos carecas de saber.
Diz-se comumente que caso não houvesse corrupção com dinheiro público, todos os males sociais estariam superados.
Esta é uma falaciosa afirmação do pensamento conservador que diante da evidência de uma sociedade incapaz de promover a prosperidade social linear, tenta desvirtuar para outro polo a discussão sobre a essência dos problemas sociais e agora ecológicos.
É por tudo isto que o discurso de combate à corrupção é uma bandeira da direita.
O mal da sociedade da mercadoria é a sua própria dinâmica segregacionista e contraditória que caminha para o colapso num tempo histórico determinado (diferente do tempo da existência de um ser humano), que ora se inicia.
A contradição entre forma (tecnologia aplicada à produção social que desequilibra a relação de trabalho provocando o desemprego estrutural – agora há mais desemprego do que criação de novos nichos de emprego) e conteúdo (necessidade crescente de aumento da massa global de valor, que ora decresce por incapacidade de expansão) constitui-se no ponto irreversível da saturação do modelo capitalista de mediação social, agora atingido, também, por crises sanitárias e ecológicas concomitantes.
As crises sociais de forma e conteúdo, ora em curso, demonstram fartamente a incapacidade do capitalismo de conviver com o isolamento sanitário necessário e com os danos ecológicos que promovem as alterações climáticas em face do aquecimento global causado pela emissão de gases poluentes.
Isto ocorre porque o capital não existe para satisfazer necessidades humanas, mas apenas se utiliza delas para existir e produzir mercadorias e transformar toda a vida em mercadorias, num utilitarismo asqueroso que ora se evidencia mais claramente.
Neste sentido é que os governantes impõem a abertura genocida das atividades produtivas e comerciais e não podem cumprir os acordos internacionais de redução das emissões de CO² na atmosfera.
É mais uma contradição explícita, que demonstra a necessidade urgente de mudarmos os parâmetros das discussões sociais, que transcendem as discussões imediatistas sobre o próximo pleito eleitoral (questão da corrupção aí inclusa preponderantemente) e sobre quem vai melhor gerenciar uma crise que não se reporta apenas à mera questão do gerenciamento.
A discussão desfocada sobre o combate à corrupção, no remete à discussão dos dois modelos fundamentais da estrutura carcomida do Estado:
a) o modelo liberal clássico (modernamente defendido por Milton Friedman, da escola de Chicago), que quer diminuir o tamanho do Estado e acredita que a mão invisível do mercado tudo equilibra, defendendo a tese da redução dos impostos e combate à corrupção como se fossem o grande graal da solução dos problemas;
b) o modelo keynesiano (de John Maynard Keynes) de Estado forte e protetor, estatizante e indutor do crescimento econômico, ou seja, de mais capitalismo, a corrupção original e básica.
É evidente que tais modelos de discussões fogem como o drácula da cruz quando nos referimos a um pensar fora da caixa que propõe um modelo de produção social sem a mensuração da forma valor e seu famigerado critério reducionista da viabilidade econômica.
Quando se raciocina sob a égide da forma valor e seu reducionismo, muita coisa passa a se justificar como mal menor, ou seja, começa-se a admitir a restrição de direitos previdenciários (que foi o que rachou o PT e deu origem ao Psol em 2003);
– o enquadramento da responsabilidade fiscal imposta aos países da periferia capitalista (os ricos podem emitir moeda sem lastro à vontade);
– a produção alimentícia em escala que mata a agricultura familiar;
– um salário mínimo de fome e a redução de direitos trabalhistas como forma de vitória na guerra concorrencial de mercado;
– a aceitação da poluição de rios, mares, subsolo, atmosfera, como males necessários à sustentação da vida, mas que mata a própria vida;
– a manipulação político-eleitoral pelo poder econômico como mal menor do que a ditadura;
– etc., et. Etc.
O ano de 2022 é um ano eleitoral, e devemos aproveitar o ensejo para fugirmos da mesmice e irmos mais fundo nas discussões sobre porque NÃO VOTAR!