Categoria:

Tags:

PERDAS E GANHOS, A GUARDA DA MEMÓRIA HISTÓRICA, DOCUMENTAL E ARQUITETÔNICA DE FORTALEZA

Ângela Gutierez, desvelada memorialista dos guardados da nossa documentação histórica, trouxe, por estes dias, as preocupações que justamente ocupam os memorialistas, como nós, apegados ao acervo sobrevivente dos nossos registros mais caros.

Cediço afirmar-se que ao Barão de Studart devemos a mais completa das coleções documentais organizadas em uma instituição privada — o acervo do Instituto do Ceará. Outros atores desse mecenato respeitável poderiam ser apontados ao respeito público. Entre tantos, historiadores e documentalistas que puseram a salvo o rico patrimônio que hoje constitui riqueza reconhecida, muitos surgem como pacientes e dedicados colecionadores. Não são poucos e por essa razão justamente lembrados: a família Pompeu de Souza Brasil, em mais de uma geração, Raimundo Girão, bibliófilos e colecionadores de distintas projeções.

Nossas perdas, entretanto, não foram pequenas ao longo desse distinto mecenato documental. Como, aliás, ocorreu em nosso País, perdemos muito do muito pouco que alguns beneméritos conseguiram salvar.

Contribuíram para essas deploráveis perdas o desapreço da nossa cultura pela memória coletiva, sob o domínio de uma certa modernidade duvidosa — e a indiferença de governos ao longo de largo espaço de tempo.

Os sodalícios mais representativos da cultura local perderam, à falta de meios e das condições essenciais para a sua preservação, a sua riqueza material, em morabília, arquitetura e documentos e escrituras. Os acervos públicos mantiveram-se ao largo do interesse coletivo, pouco cuidados, menos consultados e preservados. As bibliotecas perderam acervos de referência e coleções historicamente relevantes, por simples extravio, ou negligência de consultantes descuidados. Os museus sobreviveram por ação de mecenatos desvelados.

No caso das duas mais expressivas instituições culturais do Ceará — a ACL e o INSTITUTO DO CEARÁ —, a transferência de local e sede, as mudanças frequentes e a reordenação de acervos, o transporte de materiais e coleções sob risco de perda ou agravo, exerceram influência decisiva sobre a manutenção de patrimônio tão delicado.

Parece justa e justificada tanta apreensão sobre a salvaguarda desse patrimônio coletivo. Recorde-se que, fechada ao público, por mais de cinco anos, a Biblioteca Pública Estadual retomou suas atividades, sem que notícias tivéssemos sobre o estado do acervo, e, naturalmente, sobre a sua expansão, preservação e a definição de uma política de ampliação da sua clientela e de uma política de leitura. Aparentemente, em cinco anos, ninguém percebeu que a Biblioteca Pública interrompera os seus serviços…

A estratégia em casos assim, de recomposição patrimonial e de acervo sob risco, impõe medidas severas e continuadas para a preservação de bens acumulados com tanto sacrifício.

Menciono, como alternativa possível, viável e recomendável, uma “chamada” pública suscetível de sensibilizar colecionadores e bibliófilos, para o recolhimento de documentos históricos de interesse público, e o seu depósito nos lugares apropriados para os receber.

Vale lembrar que José Míndlin legou o seu patrimônio bibliográfico à USP, mediante cláusulas bem negociadas e obrou o milagre de reunir o maior acervo sobre a cultura brasileira — a “brasiliana” que nos orgulha— e pô-lo ao alcance dos brasileiros.

A intelligentsia, os acervos bibliográficos, as pinacotecas e a documentação histórica têm como destinação final o uso comum e coletivo.

Eis aí uma provocação à altura da importância dos nossos acervos acumulados.

Sobre o autor:

Compartilhe este artigo:

PERDAS E GANHOS, A GUARDA DA MEMÓRIA HISTÓRICA, DOCUMENTAL E ARQUITETÔNICA DE FORTALEZA