O último dia 28/12 registrou o aniversário de 125 anos de criação do cinema, numa alusão a apresentação, em um café do Boulervard des Capucines, em Paris, de filmes realizados pelos irmãos Louis e Auguste Lumière por meio do cinematógrafo, aparelho por eles inventado.
É uma efeméride importante em um ano trágico, onde uma pandemia de alcance global vem ceifando milhares de vidas e provocando, também de forma letal e com a ajuda de alguns líderes irresponsáveis, o desmanche de estruturas econômicas as mais variadas, com consequente perda dos meios de subsistência de milhões de trabalhadores.
O cinema, enquanto indústria, é uma dessas estruturas; poucas vezes, ao longo desses 125 anos de história, a realidade e as perspectivas quanto ao futuro da atividade foram tão graves e desanimadoras, em especial para o circuito exibidor, os cinemas, cuja própria sobrevivência está sendo posta em xeque neste momento, seja pelo efeito direto da pandemia – com a paralização do setor em vários países -, seja pela forma indireta dela decorrente, com a possível e radical alteração do modelo de negócios consagrado nas últimas décadas, onde as plataformas de streaming surgem como o “vilão” da vez.
Nesse panorama complexo e incerto – no Brasil agravado pela crise envolvendo a Agência Nacional de Cinema (Ancine) -, onde há prenúncios mais que evidentes de uma nova etapa de relacionamento entre o parque exibidor, os produtores de conteúdo e o público, o papel das salas públicas de cinema – como é o caso do Cineteatro São Luiz, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) – ganha especial relevância seja pelo seu caráter de cunho cultural, formativo e inclusivo, onde a acessibilidade desempenha papel fundamental, seja pela sua potência enquanto centro de exibição/disseminação de conteúdos audiovisuais diversificados, qualificados e de difícil acesso, atrelando a tudo isso a experiência única e coletiva da exibição de uma obra audiovisual em uma sala de cinema.
Essa importância estratégica das salas públicas de cinema, inclusive, ficará ainda mais evidente aos olhos das gestões realmente comprometidas com a democratização da cultura na medida em que se perceba o real perigo embutido na ampliação e consolidação dos grandes conglomerados globais de produção e exibição via streaming, onde a Netflix e a Disney+ configuram os exemplos mais vistosos.
Isto porque o modelo de sustentabilidade desses grandes conglomerados possui características intrínsecas, monopolizadoras e atreladas às regras do mercado, não privilegiando, por exemplo, a disponibilização de conteúdos que configurem uma memória ampla e diversificada do cinema universal, tampouco produções realizadas fora do âmbito das grandes produtoras e estúdios, em particular os norte-americanos.
Por outro lado, o advento do streaming e da utilização da internet e suas redes sociais também se apresenta como uma boa oportunidade para as salas públicas de cinema, que, a exemplo do próprio Cineteatro São Luiz e de inúmeros festivais de cinema mundo afora, vem construindo um novo caminho de interação junto não só aos seus respectivos públicos, mas também em relação aos realizadores e empresas produtoras de conteúdo, principalmente as independentes.
“O cinema é uma invenção sem futuro”, disse Louis Lumière, tempos depois daquela exibição de 125 anos atrás. A frase é por demais verdadeira, desde que se considere a inexistência de um futuro, o que, a despeito de todas as dificuldades presentes, não parece ser o caso. Resta definir, portanto, qual o futuro que se quer dar ao cinema.