PACTO CONTRA O CAOS. POR ROBERTO REQUIÃO

Os historiadores costumam observar que os contemporâneos não
reconhecem a profundidade das crises em sua própria época. A esse
respeito, o notável historiador marxista Eric Hobsbawn observava que
em 15 de julho de 1789, um dia depois da queda do que se tornaria o
marco simbólico da Revolução Francesa, a Bastilha, as pessoas andavam
inadvertidamente pelas ruas e avenidas de Paris ignorando que estavam
em pleno processo revolucionário.

Estamos, senhoras e senhores senadores, numa situação de caos
absoluto. Não há nenhuma instituição republicana que funcione
regularmente. Executivo, Legislativo e Judiciário estão virtualmente
derretidos e sem qualquer credibilidade perante a opinião pública. A
economia está num estado de contração ou de depressão, sinalizando a
grande tragédia desses últimos anos, uma taxa de desemprego que viola
direitos de cidadania e direitos humanos.

Entretanto, este Senado da República – ou melhor, todo o Congresso
Nacional se comporta como dentro de uma redoma de vidro: não estamos
enxergando o turbilhão social que se avoluma a nossa volta.
Comportamo-nos como em tempos de normalidade. Ora, crises não se
analisam com as categorias da normalidade; em crises valem suas
próprias categorias, e em especial as categorias que descrevem os
estados caóticos.

O Congresso Nacional tem que assumir suas responsabilidades no
encaminhamento de uma solução para o caos em que vivemos. É nossa
obrigação como representantes do povo e inclusive como cidadãos
responsáveis. O fato de que o Congresso, como um todo, partilha com as
demais instituições da República uma situação de degradação e falta de
credibilidade, há nele homens honrados que, como em outras épocas de
crise, atuaram para criar uma saída.

Entendo que, no plano social, caminhamos para um terrível impasse. Os
caminhoneiros foram traídos pelo Governo em nome do favorecimento ao
“mercado”. O setor público foi traído pelo Governo, com drástica
redução de seus orçamentos, em nome do favorecimento ao “mercado”. Os
grandes produtores agrícolas foram traídos pelo Governo, por conta dos
fretes, nesse caso porque se fez uma tabela de fretes contrariando o
“mercado”.

Não há composição possível de interesses desses setores de escala
nacional dentro da “normalidade” do mercado. O Governo terá que
intervir. Ou intervém logo, abdicando das soluções neoliberais que
apenas jogam mais lenha na fogueira, ou, diante do caos, acabará
expulso do Planalto pela cidadania organizada – ou, pior ainda, pela
turba inorgânica que nos levará de caos em caos até a emergência de
uma impossível solução pré-revolucionária que, na ausência de
organização popular, levaria a uma intervenção militar.

É uma obrigação cívica deste Senado, através de seu presidente, propor
ao presidente da Câmara a constituição de uma comissão conjunta para
fazer uma avaliação suprapartidária e supra-ideológica de nossa
situação com vistas ao encaminhamento patriótico de uma solução que
interesse sobretudo ao povo. Os últimos desdobramentos no plano social
e político já nos indicam uma situação de impasse na relação do povo
com o Governo, o que justifica uma intervenção saneadora do
Parlamento, como aconteceu após o suicídio de Vargas, a renúncia de
Jânio e a deposição de Goulart. Nenhuma dessas soluções pregressas
pode ser apenas copiada, pois as circunstâncias em que foram adotadas
foram peculiares. O que pode ser copiado é o compromisso do Congresso
em intervir, sanear e resolver.

Há situações complexas a resolver na instância do próprio Legislativo,
mas nada que não possa ser encaminhado dentro da lei e dentro dos
poderes do Congresso Nacional. Acredito que possa ser eleito
indiretamente um presidente interino que nos conduza, com dignidade,
até as eleições de outubro. A aprovação da lei que abrisse caminho
para a eleição do presidente interino deveria ser acompanhada
simultaneamente pela aprovação de uma Lei Delegada que conferisse ao
novo Executivo poderes para aplicar imediatamente um programa de
combate ao desemprego e recuperação do emprego a fim de dar uma
demonstração ao povo de um compromisso imediato do Governo em
abandonar a indiferença nessa área.

Acredito que o presidente interino eleito pelos congressistas teria
condição de convocar a Nação para um grande pacto nacional que
possibilite o estreitamento das grandes divisões políticas que reduzem
a solidariedade entre o povo brasileiro. A ele competiria também
conduzir, como disse, as eleições gerais de outubro. Seria uma espécie
de recomeço do zero da República, abrindo amplas possibilidades de
diálogo entre correntes políticas e entre gerações de brasileiros, ou
pelo menos entre aqueles de genuína boa vontade.

 

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[1] Roberto Requião é Senador da República no segundo mandato. Foi
governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba,
secretário de estado, deputado, oficial do exército brasileiro,
professor universitário, industrial, agricultor e advogado. É graduado
em direito e jornalismo com pós graduação em urbanismo e comunicação.

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