John Maynard Keynes
Costumo dizer que os governantes não governam, mas são governados; e assim acontece porque lhes falta soberania de vontade par alterar aquilo que eventualmente gostariam de alterar.
Os governantes, governando sob uma base de mediação social da forma-valor, por mais déspotas que sejam (e nem todos o são) ou sensíveis ao drama popular (e muitos o são), desejam atingir os seus interesses, independentemente das suas qualidades; mesquinhas ou elogiáveis.
Para a consecução de tais objetivos precisam de apoio popular ou das armas militares, e a base capitalista sob a qual governam (para começar quero dizer que Cuba e Coreia do Norte são capitalistas na base, diferindo das democracias burguesas apenas na forma política de gestão) tem regras absolutistas a serem obedecidas sob pena de inviabilidade governamental.
É ingênuo o pensamento que acredita ser possível administrar a escassez de um sistema subtrativo da riqueza coletivamente ´produzida e consequentemente concentrador dessa riqueza de modo a torná-lo equanimemente acessível a todos (mesmo nas poucas ilhas de prosperidades capitalistas há segregações sociais e étnicas, ainda que em menor escala que nos oceanos nacionais de pobrezas).
Observe-se que a configuração econômica e social do mapa dos países mundo afora obedece ao mesmo critério das cidades cindidas em pequenas zonas de conforto rodeadas de pobreza e dificuldades de todo tipo.
É da natureza do sistema capitalista, que se consubstancia na produção de mercadorias para o mercado, mecanismos pelo quais e nos quais se materializa a lógica de acumulação do capital sem a qual ele não sobrevive, ser como é, razão pela qual o Estado cobrador de impostos e serviçal dessa mesma lógica não pode subvertê-la e agir contra sua função ontológica orgânica constitucional.
Assim o é porque não é apenas o ser humano que produz e dá vida à mercadoria, mas é a mercadoria que também produz o ser humano mercantilizado que não consegue raciocinar fora do sistema, razão pela qual o ato de comprar e vender é tão naturalizado e considerado imprescindível como se tomar um copo de água ou satisfazer necessidades fisiológicas diárias.
Nesse contexto é que se explicitam as contradições de funcionalidade da sociedade por conta do choque entre forma e conteúdo do sistema produtor de mercadorias que agora atingiu o seu limite interno de expansão produzindo depressão econômica global, mas, principalmente, a contradição entre a intenção governamental de consecução de seus interesses administrativos eventualmente virtuosos de atendimento das demandas sociais mais prementes, em contraponto com à possibilidade material de sua efetiva realização porque fundada em pressupostos econômicos limitativos.
Sob o capital nada se faz sem que haja viabilidade econômica, fato que contrasta com a natural possibilidade material de se fazer algo que dependa unicamente de nervos e mentes humanas em interação com a natureza. É comum e lógica a frase segundo a qual “só se faz alguma coisa se houver dinheiro”.
Mas tal dístico conceitual somente é correto quando raciocinamos sob critérios capitalistas de produção; mas quando se exclui tal condição restritiva e superamos a visão mercantilista da produção de bens e serviços úteis ao ser humano (principalmente com o domínio do saber que hoje conspira contra a lógica do capital) tudo se pode fazer, desde que haja viabilidade material de consecução (força motriz, mente humana e natureza), que é conceito diametralmente oposto àquele formatado pelo capital.
A vida social atual, paradoxalmente, atingiu a fronteira tênue entre uma nova e confortável concepção de sociabilidade e a nossa extinção como espécie ditada pelo interesse do capital em colapso (guerra nuclear que vem sendo anunciada diariamente e agressão ecológica que se manifesta em fenômenos climáticos cada vez mais presentes mundo afora e com maior intensidade).
Para se ter uma ideia do que representa a questão da falta de reprodução do capital de modo “saudável” e “saldável”, basta dizer que não já não há como se gerar lucros para o pagamento do serviço de dívida pública mundial orçada em US$ 100 trilhões, e sequer dos juros sobre ela incidentes cobrados aos países do terceiro mundo, que a sustentam com o sacrifício de suas populações, como é o caso do Brasil.
Certamente quer essa é a razão pela qual Jamie Dimon, CEO do Banco JPMorgan, o maior banco do mundo com cerca de meio trilhão de dólares de ativos, afirmou em evento do IIF – Instituto Internacional de Finanças – que “eu estou falando sobre o risco das coisas irem muito mal”, e continuou, “nós rodamos cenários (no Banco) que chocariam vocês. Eu nem quero mencioná-los”.
Temos hoje, no governo Lula, a exemplificação mais concreta do que se pode inferir dos conceitos ora expendidos.
Os bem-intencionados cidadãos que por condição de assalariados ou mesmo por uma visão crítica social de humanização, pugnam, com legítimo interesse, pela não redução dos já precarizados direitos econômicos e dos atendimentos das demandas sociais que são subvencionadas pelos pesados impostos que a maioria da população paga com ingentes sacrifícios, confiando que um governo ao qual se identificam pode atender às suas justas súplicas.
Entretanto, do lado do governo, se tem a exata compreensão das regras absolutistas que lhe são impostas pela lógica do capital e que se não forem obedecidas muito cedo virão as consequências punitivas pelos efeitos colaterais decorrentes de uma possível desobediência administrativa numa ordem sócio-econômica que respira por aparelhos.
Dá para amansar a fera capitalista convivendo com ela e evitarmos pagar o alto preço dessa convivência ou seria melhor superarmos a dita cuja? Será que somos obrigados a viver eternamente o drama shakespeareano de sermos ou não sermos capitalistas? No estágio atual a crise do capital é inadministrável e nós não devemos viver eternamente sob o calor do seu inferno!
Diante de tal realidade só nos resta fazer como Alexandre, o grande, que diante do nó górdio cujo desafio de desatá-lo com as mãos era de impossível solução, desembainhou a espada e cortou-o ao meio.
A nós cabe a inadiável função de superarmos a forma de relação social atual e de modo que a tempestade da noite escura seja substituída pela calmaria e beleza de um sol da manhã luminoso.