os infratores

Os infratores: Quando vilões se tornam mocinhos

Em  uma  América  pós-egressa  na  Grande  Depressão  de  1929,  a  lei  tinha  de  lidar com  uma  série  de  problemas.  Entre  gângsters,  o  desemprego  e  subdesenvolvimento  das localidades  menos  urbanizadas,  a  atividade  dos  contrabandistas  de  bebidas  alcoólicas naquele  início  de  século  fora  um  dos  maiores  desafios  do  governo  estadunidense.  E  é partindo desse cenário histórico que  John Hillcoat apresenta  Os infratores (2012).

O  quinto  filme  da  carreira  do  realizador  americano  lança  mão  de  uma  história baseada  em  fatos  reais  e  mergulha,  portanto,  no  universo  de  uma  sociedade  norteamericana  que,  para  além  da  natureza  ilícita  ou  não,  de  suas  atividades,  assumia  os riscos em busca  de  sua  sobrevivência. Em  meio  a  esse  pano  de  fundo,  somos  apresentados  aos  irmãos  Forrest  (Tom Hardy),  Howard  (Jason  Clarke)  e  Jack  (Shia  LaBeouf)  Bondurant.  Juntos,  circulam pelas  localidades  de  Franklin  County,  Virgínia,  realizando  a  venda  de  aguardente, atividade  de  cunho ilegal desde  a  promulgação da  Lei Seca  que  vigorou de  1920 a  1933.

Donos  de  uma  fama  quase  inabalável  que  os  colocam  como  homens  mais “durões”  daquelas  terras,  os  Bondurant  também  respondiam  pela  fabricação  de  boa parte  das  bebidas  destiladas  da  região.  Entretanto,  a  chegada  do  inspetor  Charlie  Rakes (Guy  Pearce),  vindo  de  Chicago,  juntamente  com  os  planos  da  polícia  local  em  limitar os negócios da família  Bondurant desencadeará  a  tensão da  estória.

A  partir  desse  escopo,  Hilcoat  desenvolve  sua  obra,  cujo  principal  mérito  é  a apresentação  balanceada  entre  a  violência  inerente  ao  período  e  o  drama  de  uma sociedade  em  transformação.  Essa  mudança  é  alocada  no  filme  como  um  eixo trabalhado entre  as personagens centrais do  longa.

De  um  lado,  Jack,  o  caçula  entre  os  Bondurant,  evoca-nos  o  espírito  da  América que  apontava  para  frente  buscando  se  livrar  das  “velhas  roupas”  e  utilizar  os  recursos que  os  sopros  iniciais  de  prosperidade  lhe  proporcionavam.  E  do  outro,  Forrest  e Howard  Bondurant,  como  uma  metáfora  do  País  que  ia  se  mantendo  em  meio  à  dureza de  uma época  onde  a  lei  e  a  ilegalidade  remetiam,  por vezes, a  um mesmo símbolo.

  A  tensão  por  trás  de  cada  cena  é  outro  trunfo  bem  explorado  por  Hillcoat.  Em uma  terra  onde  os  interesses  de  contrabandistas  e  oficiais  de  polícia  estavam  sempre  em conflito,  a  condição  em  que  o  espectador  se  coloca  é  a  do  observador  que,  em  um  tom de  leve  angústia,  fica  a  espera  do  pior  dada  as  atitudes  extremas  adotadas  por  ambas  as partes das personagens.

Levando  em  conta  nossa  realidade  e  atual  conjuntura  política,  o  longa  se  torna mais  interessante  ainda  por  nos  permitir  um  paralelo  entre  a  história  que  em  movimento cíclico  se  repete  de  tempos  em  tempos.  Ambientada  nos  anos  de  1930,  o  filme  retoma, mesmo  que  indiretamente,  a  atual  discussão  sobre  recente  decisão  do  Superior  Tribunal de  Justiça  (STJ)  ao  considerar  ilegal  a  venda  de  uísques  de  algumas  marcas  no  mercado brasileiro por  importadoras que  não a  distribuidora  autorizada  dos produtos.

Mas  Os  Infratores,  como  obra  que  aborda  a  temática  gângster,  cumpre  seu  papel também  por  combinar  elementos  básicos  a  qualquer  realização  no  universo  da cinematografia.  Com  um  elenco  que  combina  nomes  mais  recentes  como  Tom  Hardy (Locke)  e  veteranos  como  Gary  Oldman  (Planeta  dos  Macacos:  O  confronto),  o  longa ganha  consistência  que  se  completa  com  uma  direção  de  arte  e  cenografia  que  remetem com  propriedade  o  contexto  dos  anos  1930,  imortalizado  em  clássicos  como  Os intocáveis (1987).

Aos  entusiastas  das  histórias  onde  vilões  se  tornam  heróis  e  mocinhos  evocam vilões,  o  thriller  reúne  elementos  certeiros  na  garantia  de  um  dos  propósitos  fundantes da  arte:  uma  pitada  de  inquietação  e  um  punhado    de  divertimento.  Participante  da seleção  oficial  do  Festival  de  Cannes,  o  longa  concorreu  à  Palma  de  Ouro  desse  mesmo festival  em  2012  ao  lado  de  Amor,  de  Michael  Haneke,  cuja  brilhante  obra,  à  propósito, será foco da nossa conversa na próxima semana.

FICHA TÉCNICA
Título Original: Lawless
Gênero: Drama, Crime
Tempo de duração:  116   minutos Ano de  Lançamento (EUA): 2012 Direção:  John Hillcoat

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.