Aqui chega o momento de falar da verdadeira cara da crescente presença latino-americana no território do norte. Os indocumentados de origem mexicana são já 11 milhões, não possuem direitos civis devido à sua condição de “ilegais”, mas são extremamente funcionais a um capitalismo que lhes dá salários de miséria por tarefas que os habitantes com direitos não fariam de nenhuma forma – e menos ainda por um salário miserável. Anualmente, as patrulhas de fronteira dos Estados Unidos prendem ao redor de 200 mil mexicanos, que tentam entrar no norte, e não menos de 400 mil dos que conseguiram passar são deportados.
Um problema parecido ao vivido atualmente na Europa, que vive, por sua parte uma cresce especialmente mais delicada e urgente, considerando o momento atual. Aylan Kurdi, com sua camisetinha vermelha e um shorts azul, estendido sem vida numa praia turística na Turquia, com seus três aninhos, foi a imagem que escandalizou o mundo inteiro há duas semanas. A partir dela, surgiram movimentos de solidariedade nas praças da Europa, e ao mesmo tempo, vários governos assumiram o que negaram durante décadas: nunca houve tantos deportados e desabrigados vindos de países próximos ao Velho Continente, muitos dos quais são ex-colônias de grandes nações europeias. Os altos níveis de xenofobia e hipocrisia, que levaram ao ocultamento ou omissão diante dos problemas gerados pela crise humanitária, deram lugar, finalmente, a uma corrente de identificação e indignação com a situação limite que esses imigrantes sofrem. Como dado significativo dessa mudança, no sábado passado, o líder trabalhista Jeremy Corbyn se impôs nas eleições internas do seu partido, e sua primeira atividade foi uma marcha em solidariedade aos imigrantes, que passou por várias ruas do centro de Londres. Corbyn representa uma esquerda britânica que durante décadas se manteve minoritária dentro do Partido Trabalhista, relegada pela maioria moderada que foi liderada e simbolizada por Tony Blair.
Se um líder residente na Europa manteve vigente a causa em favor de um melhor tratamento aos imigrantes, se alguém levantou a voz quando morreram 700 imigrantes norte-africanos na ilha de Lampedusa, em abril, foi precisamente o Papa. E sua declaração não discriminou se as vítimas eram muçulmanas, católicas, evangélicas ou adeptas de religiões africanas. Não há dúvidas de que a comunidade latino-americana, e em especial a de origem mexicana, encontrará em Francisco um interlocutor importante em seu favor, para colocar a situação dos ilegais na agenda dos Estados Unidos. O próprio Obama, em maio deste ano, propiciou uma reforma migratória, mas se deparou com uma parede no Congresso norte-americano.
(Trecho de artigo de Eduardo Anguita para “Tiempo Argentino”, publicado em www.cartamaior.com.br)