Os falsos amantes do equilíbrio fiscal, o orçamento do país, os juros e os impostos – Serviço público de qualidade XX

Os brasileiros todos estamos perdendo uma grande e histórica oportunidade de entender o funcionamento, a estrutura e a lógica do jogo de poder e do jogo do dinheiro, que se encontram e encontram sua síntese no orçamento anual da União. Uma discussão ampla, didática e feita de diversos ângulos e diferentes pontos de vista seria necessária e suficiente para que o cidadão compreendesse, através dos grandes números, o que é a Política e como se faz a Economia funcionar.

Alguns eventos, como as eleições para as posições mais relevantes e decisivas da República, parecem movidas por circunstâncias aleatórias, não são. Algumas tendências das bolsas de valores e do câmbio parecem naturais, não são. O sistema tributário indica uma carga pesada, sugere igualdade e desenha-se como uma teia inteligente, não é nada disso. Temos que aceitar a baixa qualidade do serviço público como inevitável, mentira.

O dinheiro sempre faz a curva mais inteligente, disse-me um amigo. A Política dirige o dinheiro. Um sistema de sustentação e de financiamento tenta influenciar e definir, normalmente com sucesso, quem será eleito para as posições de efetivo mando. O exercício efetivo da liderança política se faz tomando as decisões que mobilizam recursos e interesses dos grandes protagonistas do que se chama mercado. Os recursos mais relevantes são os recursos públicos. Os líderes decisivos estão no Poder Executivo. O dinheiro escorre (primeiro para dentro do governo, depois para fora) através do orçamento.

Esse jogo de verdades, meias verdades e completas mentiras só poderá ser jogado pelo cidadão se ele for capaz de entender e debater o curso do dinheiro público, o orçamento. Se ele não é capaz disso, será, muito possível e provavelmente, manipulado por informações incompletas, imprecisas, fragmentadas, descontextualizadas.

Penso que sem um exemplo, até este texto será incompreendido.

O caso: o País acaba de passar as últimas semanas discutindo como zerar um défict de trinta bilhões de reais. E uma onda gigantesca de opinião sugere que há um consenso (quase uma unanimidade) em torno da solução: cortar gastos. Trata-se (diz a imprensa) de um déficit de 0,5% do PIB.

Observação: Na origem, lá no passado, os impostos eram pagos apenas pelos mais ricos. Assim, um trauma histórico encaminha toda discussão de déficit para o corte de gasto. Sempre que se fala em aumentar ou criar imposto, são eles que reagem mais rápido e de maneira mais eficaz. Gato escaldado tem medo de água fria. Consegue-se, por exemplo, convencer a população de que a CPMF é um imposto alto demais, inflacionário, injusto, complicado, e que o “pobre é que vai pagar o pato”. Isso é competência política, isso se chama vencer a batalha política através da comunicação. O rico protege seus interesses alegando defender os mais pobres.

Outra observação: o déficit não é 0,5% do PIB. O déficit do orçamento do País é algo bem próximo de 7% do PIB. Não é trinta bilhões de reais, é perto de quatrocentos bilhões de reais. Qual a diferença? Simples: a diferença é toda de juros. Juros bem altos, mais altos do que o normal, mais altos do que qualquer referencial razoável, decididos e atualizados a cada 45 dias por um grupo de dirigentes de uma instituição pública, o Banco Central do Brasil.

Uma observação final: os brasileiros comuns não sabem o verdadeiro tamanho do défict. Não há interesse em discutir esse déficit. Os amantes do equilíbrio fiscal não se ocupam nem se preocupam com a diferença gigantesca. Jornalistas e economistas não parecem interessados em explicar essas diferenças. E os governos não querem zerar o défict. Também não o querem aqueles que são remunerados com esses juros, digamos, generosos.

Leia três trechinhos do livro Pai Rico, Pai Pobre, de Robert Kiyosaki, Editora Campus, 2000:

“Toda vez que as pessoas tentam punir os ricos, estes não apenas não obedecem, como reagem.  Eles têm o dinheiro, o poder e a intenção de mudar as coisas. Não ficam sentados e pagam voluntariamente mais impostos, ao contrário, buscam maneiras de minimizar sua carga tributária. Contratam advogados e contadores competentes e convencem os políticos a mudar as leis ou criar artifícios legais. Eles têm os recursos para fazer as mudanças…

“Uma das razões pelas quais os ricos ficam mais ricos, os pobres mais pobres e a classe média luta com as dívidas é que o assunto dinheiro não é ensinado nem em casa nem na escola…

“Você paga impostos quando ganha. Você paga impostos quando gasta. Você paga impostos quando poupa. Você paga impostos quando morre. Por que é que as pessoas deixam que o governo faça isso com elas? Os ricos não deixam. Os pobres e a classe média deixam. “

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.