A Odebrecht e a corrupção no Brasil, por Cleyton Monte

Os recentes desdobramentos da Operação Lava Jato trouxeram à tona o modus operandi da grande corrupção em nosso país. As relações promíscuas entre o poder público e o empresariado já não surpreendem o grande público, entretanto, a sofisticação dessas operações não deixa de ser chocante. A Odebrecht, ostentando o título de maior empreiteira do Brasil, constituiu um departamento de propinas. O mais incrível: os recursos desviados e repassados para diversos agentes não tinham coloração ideológica: esquerda, direita, centro, ruralistas, religiosos, comunicadores, governo e oposição. A famosa lista apelidava pequenos e grandes parlamentares. Para além dos aspectos criminais, essa movimentação aponta para a força do poder econômico em nosso sistema político.

Capitalismo e democracia entram em choque constantemente. Muitas vezes, os anseios da sociedade de mercado colidem frontalmente com os pressupostos da democracia. Empresários buscam espaços e maiores oportunidades de lucro. A democracia, por sua vez, deve criar mecanismos que garantam liberdade, igualdade e participação para todos. O ideal seria um ponto de equilíbrio consubstanciado no Estado. Na nossa experiência, o capitalismo vem se sobrepondo aos ditames democráticos. As delações dos executivos da Odebrecht não deixaram dúvida sobre esse fenômeno. Qualquer obra, por menor que fosse, deveria abastecer os cofres de lideranças dos mais diferentes partidos. Um poderoso lobby foi montado em Brasília, influenciando diretamente a tramitação de proposições legislativas e licitações. Estou falando de bilhões de reais operados ilicitamente.

Não se trata tão somente de enriquecimento ilícito ou das bizarrices dos termos utilizados. É muito mais grave. O próprio sistema representativo teve suas bases questionadas. A divulgação dessas combinações deixou claro que muitos congressistas defendem interesses econômicos para poder sobreviver eleitoralmente. É um círculo vicioso. Uma troca de favores. O empresário garante a obra e o político consegue seu patrocínio. A prática perpassou diferentes governos, contribuindo para o fortalecimento de uma cultura perversa, que mina a credibilidade dos agentes políticos, desvia recursos e afasta a sociedade de suas instituições representativas. Esse xadrez não foi jogado somente pela Odebrecht. O cenário é muito mais complexo.

Outras empresas entraram e contribuíram para esse circuito. Não podemos condenar somente os atores políticos. A teia da corrupção geralmente conta com a participação ativa ou passiva de funcionários públicos, membros do Judiciário e imprensa. As ações de combate apresentadas não vão além de paliativos e focam apenas algumas personalidades e partidos. Temos que repensar e renovar a democracia representativa. Seus mecanismos estão servindo apenas para garantir a reprodução de interesses políticos e econômicos nada republicanos. A pressa na execução de reformas estruturais deixa claro esse dilema. Em todo caso, ao analisar esse jogo político e confirmar a existência dos “soldados da Odebrecht”, fico me questionando: Quem defende os interesses do usuário do SUS ou o aluno da escola pública? Qual das bancadas se organiza para garantir recursos para os pequenos agricultores? Definitivamente, tem algo de muito podre em Brasília!!!

Cleyton Monte

Doutor em Sociologia, professor da Faculdade Cearense, analista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC)

Cleyton Monte

Doutor em Sociologia, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM), membro do Conselho de Leitores do O POVO e professor universitário.

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Cleyton Monte

Doutor em Sociologia, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM), membro do Conselho de Leitores do O POVO e professor universitário.