A esperteza do brasileiro — o Zé Carioca, ironizado nos desenhos de Disney — não tem limites. Não seria por outra razão que nos habilitamos como senhores do futebol — e do Carnaval.
Uma máxima ganhou os sertões e fez a força das oligarquias de antanho.
Afirmava, nos quadros estritos de uma ética político-eleitoral por todos celebrada, que “feio mesmo é perder eleição”.
A pensadora Rousseff, que a nossa indigência mental elegeu um dia, confessava com aquele olhar clarividente, que “a gente faz o diabo para ganhar uma eleição”.
O “voto útil” consiste exatamente neste pequeno desvio moral: votar em que vai ganhar. Mesmo sem indicações cabais de uma vitória anunciada. Basta a presunção, o palpite inspirado sobre quem “vai” ganhar.
Ninguém a rigor quer perder nada. Candidato perdedor é “bundão” eleitoral.
Não importa quem poderá ser eleito. O que faz a diferença é saber em tempo útil “quem vai ganhar”…
O voto é um voto, é um voto, é um voto…
Nada mais “legítimo” como instrumento de reciprocidade do que o voto. É o sinal mais completo da lealdade: vota-se sempre na perspectiva de uma retribuição. É sinal de proteção, de garantias e privilégios…
Dá para perceber porque “faz-se o diabo para ganhar uma eleição”.
A alma desta abstração democrática é o segredo, a esperteza para descobrir, a tempo, quem ganhará uma eleição. E embarcar fortalecido nas crenças confortadoras das certezas patrióticas.
Com um pouco mais de tecnologia posta a serviço da democracia, os institutos de pesquisa desaparecerão, por inúteis, já que adivinham o imponderável baseados em conjecturas. Uma prótese eletrônica indicarà com larga margem de segurança, para menos ou para mais, quem será o vencedor da eleição.
Já o “voto inútil” é o que mais lembra a democracia. Vota-se por lealdade e reconhecimento a princípios, evocamos juízos políticos e a nossa consciência. Sem que nos inquiete saber que os outros ignoram a nossa escolha, indiferentes que somos aos que “vão” ganhar.