O Shaolin do Sertão: o cinema feito de intenções

Será que o cinema brasileiro tem uma vocação? Ou faz mais sentido falarmos de experiências de gênero divididas entre ações de mercado e sopros de uma produção resistentemente independentes? Levando em conta essa segunda corrente, parece mais coerente considerarmos intenções. Movido por esse impulso é que surge uma obra como o Shaolin do Sertão (2016).

Em seu segundo longa-metragem, o cearense Halder Gomes nos leva de volta à Quixadá de 1982. Na estória, acompanhamos o cotidiano de Aloisio Li, um padeiro que acredita um dia poder se tornar um shaolin de verdade, apesar de sempre ser motivo de chacota por parte dos colegas da cidade. Sua honra é posta à prova quando decide enfrentar em um desafio oficial “Toni Tora” Pleura, lutador aposentado de vale-tudo.

Como estamos diante de uma obra de gênero, o filme nos soa muito imediato. Em sua hora e meia de metragem, a ação é apresentada de forma bastante direta. Não temos o contato com digressões na narrativa, apesar de seu contexto possuir um enredo que instigue esse recurso. O fato de Aluísio nunca ter conhecido o pai é exemplo disso.

Mas, o cinema é feito também, e sobretudo, de intenções. E aqui temos de considerar aquelas tomadas por Halder e sua equipe de produção. Apesar de estarmos diante de uma obra que emerge do selo da Globo, percebemos, sim, uma intenção de certo descolamento, em função de outros trabalhos da comédia nacional.

Porque, se tomarmos o exemplo de filmes como Qualquer Gato Vira-Lata (2015), Um Sortudo Suburbano (2016) e Vai que Cola: O Filme (2015), notamos certos padrões que despotencializam demais esses trabalhos. Um elenco pouco situado ao fazer cinematográfico, roteiros com muitas brechas estruturais e de pouca profundidade são alguns dos pontos negativos que tiram a força desse cinema que,  dentro da estética da comédia, podem ser potentíssimos.

Mas, infelizmente, não o são. E é aqui que O Shaolin se coloca como uma proposta contra-hegemônica numa escala de gênero no cinema brasileiro. Da cinematografia que acaba se descolando um pouco do traço da comédia que tem como alvo o universo da classe média do sudeste brasileiro. É claro,  com isso não entendamos o filme a partir do raso vezo da generalização. A riqueza da nossa cinematografia tem se cristalizado nas últimas décadas exatamente por convergir em fazeres.

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O Shaolin se coloca como uma proposta contra hegemônica numa escala de gênero no cinema brasileiro. Da cinematografia que se descola um pouco do traço da comédia que aponta o universo da classe média do sudeste brasileiro

Porque, se num mesmo período temos uma comédia feita no sertão do nosso Estado, também vemos a criação de novas estórias que tomam base no gênero, mas que não necessariamente trabalham em chaves como as que evocam a questão do herói. A experiência de vermos O Último Trago (Irmãos Pretti e Pedro Diógenes) e notarmos formas alternativas de produção colaborativa e coletiva são um ótimo exemplo disso.

Retornando para nosso filme, entretanto, é bom percebermos que há uma vontade criativa em um cinema que se coloca também como oportunidade de reunião entre nomes. Da produção que aposta nos profissionais que dividem não apenas ideias, mas estão no imaginário do nosso Estado, sobretudo na televisão. É como vermos João Inácio Jr., Falcão e Tirulipa, e notarmos o quanto o seu personagem diz, em alguma medida, sobre a própria figura e da nossa cultura, igualmente.

Em última instância, a técnica, ainda que apresentada muito sutilmente, é um importante traço que o Shaolin do Sertão traz. E, apesar do roteiro muito simples, que dispensa grandes reviravoltas ou uma estrutura com alguma complexidade, o zelo vem do plano que obedece bem os conceitos de enquadramento e posta em cena dos personagens, aliada à fotografia que estiliza esteticamente o filme.

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A técnica é apresentada muito sutilmente no filme, mas bastante definida em certos planos, como na imagem à cima.

É claro que o longa pode ser interpretado muito mais como um bom índice alcançado em termos de alcance de público e estimulo de contato espectatorial relativo ao cinema que produzimos no Ceará.

E se o que queremos num fim de tarde de um final de semana qualquer é somente rir um pouco – ou muito -, O Shaolin do Sertão cumpre seu fazer, além da importante manutenção de uma cadeia de trabalho que se gera na nossa terra a cada nova produção que conseguimos colocar na tela.

*O Shaolin do Sertão segue em cartaz no Cinema do Dragão e vale a pena ser visto.

FICHA TÉCNICA

Título Original: O Shaolin do Sertão

Tempo de Duração: 100 minutos

Ano de Lançamento (Brasil): 2016

Gênero: Comédia

Direção: Halder Gomes

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.