É impressionante como algumas pessoas incorporam sem qualquer crítica um discurso político. Vamos combinar: todo discurso econômico é político, a começar pelo discurso dos “economistas de mercado”, que, para ter alguma credibilidade. se fingem neutros e se escondem a parcialidade com algumas referências que sugerem alguma técnica. Na verdade, o discurso técnico legitima as direções e destinos dados aos dinheiros e aos interesses legítimos ou não.
A economia brasileira é neste momento e foi durante toda a vida objeto da disputa política. Sempre foi necessário algum tipo de discurso para “dourar a pílula”, para que as maiorias aceitem o jogo jogado nas mais altas esferas. De um modo geral, a base da pirâmide social leva a pior na divisão dos recursos e dos benefícios. O discurso legitima e disfarça o privilégio de castas.
Um exemplo. Nos anos 1980, o presidente Ronald Reagan propôs e aprovou no Congresso dos EUA a redução do imposto dos mais ricos. Ele dizia: estou reduzindo o imposto do rico para beneficiar o pobre. Ele explicou assim: com mais recursos disponíveis, esses empreendedores investirão mais, gerarão mais empregos e mais impostos. Claro, a imprensa apoiou, e boa parte do povão americano aceitou de bom grado a reforma.
A ideia era tão contrária ao bom senso e à técnica que foi necessário dizer e repetir à exaustão que aquilo era um novo paradigma, era “a economia da oferta”, uma nova economia, a “reaganomics”. A imprensa americana repetiu tanto que tudo desceu gola abaixo. A ideia foi aplicada na Inglaterra pela Dama-de-Ferro, Margareth Thatcher, que privatizou muito, destruiu empregos, enfraqueceu as regras de defesa do trabalho, liberalizou os fluxos de capital. Alguns ingleses lutaram, mas foram derrotados.
Esse é o começo do modelo que depois se chamaria neoliberal (algo mais suave que neocolonial). Chegou ao Brasil com Collor, mas Collor brigou com a turma que o elegeu. Foi adiante com Fernando Henrique Cardoso e deveria ser completada por quem o sucedesse. Dizia-se que era preciso destruir “o legado da Era Vargas”. Faltava reduzir ainda mais o Estado, reduzir benefícios sociais e custos trabalhistas, abrir o mercado de petróleo e privatizar tudo, inclusive a Petrobrás.
Vieram Lula e Dilma e mudaram a direção (mas não mudaram as estruturas e os esquemas de sempre). Essa mudança, que não foi nem grande nem profunda, foi grande e profunda para aqueles que estão na base da pirâmide. Agora, essa turma quer que um Michel Temer faça todo esse serviço (desfazer o legado petista, completar a destruição do legado varguista e desmontar direitos da Constituição de 1988) em meses.
Isso tem pouca chance de dar certo. Alguma não desprezível chance de terminar mal deveria advertir os mais ousados navegantes.