O QUE ATRAPALHA É O POVO

No morridos de 70, eu estudava o meu primeiro grauzinho na Escola XI de Agosto, da tia Terezinha, em Fortaleza. A velha era rígida, me repreendeu uma vez com a fisionomia de quem comeu e não gostou e foi pior do que se me mostrasse uma palmatória, o que me causou medo suficiente para eu me urinar. Tinha um porém: ensinava Matemática que era uma beleza. Graças a ela, ainda hoje eu não sei para que servem logaritmo e tantas anomalias euclidianas (que fique bem claro a minha ignorância no assunto). Isso me levou a ser reprovado em Cálculo, no Curso de Veterinária, na Universidade Estadual do Ceará, que por sorte abandonei ou me desorientei, dá no mesmo.

E a professora de História, tão boazinha! Principalmente de costas, diziam os meninos mais velhos. Por isso, ninguém perguntava nada quando ela copiava no quadro. Ela dizia sempre que o povo era de bom caráter, de boa índole; por certo nunca leu Macunaíma nem Serafim Ponte Grande. Dizia que o país era igualmente bom, que se plantasse tudo dava. E eu não entendia por que os meninos plantavam os olhos nela. Só depois, fui entender a tal da explosão hormonal dos adolescentes. Então, eu me plantava no banheiro para tomar daqueles banhos completos com direito a noivado e casamento.

Foi aí que cresci e vi que o povo era analfabeto, alienado, apedeuta, atrapalhado, abobalhado (versão popular de neobobo), angustiado, abafado… deveria se chamar de apovo. E o país, então! Quando o Olacir plantava, dava tudo; quando era o João que plantava, de meia, mal dava para pagar o toucinho do feijão. Aliás, João e feijão juntos dariam um Feijoão ou um Joãofeio, dependendo do feijão.

De bom mesmo o povo só tinha a submissão. Nem votando o povo ajuda. Basta ver nessa enfieira de prefeitos e vereadores surrupiadores do erário público. Pode ser que um dia, na passagem do próximo milênio, que nesse não dá mais, o povo resolva acordar, em vez de concordar.

Quanto à minha professorinha de História, sumiu das minhas lembranças! Mas tem uma filha que é uma bela professora de Educação Física, embora eu ainda esteja perdido em Física Quântica!!

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

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