O PODER DO ESTADO, A TEORIA POLÍTICA E OS REGRAMENTOS PROCESSUAIS

Duas questões, dentre tantas, preocupam os cientistas políticos nas suas íntimas jaculatórias teoricas. “Quem manda, quem governa? Como são exercidos o mando e o governo?”

Em outras palavras, “Who govern and how to govern?”.

De Platão a Maquiavel, de Lipset a Duverger, de José Bonifácio a Faoro, de Bolívar Lamounuer a Wanderley Guilherme dos Santos, a indagação se impôs. Constitucionalistas e cientistas políticos, nos limites dos seus territórios, bateram-se em arriscada navegação entre a construção e a interpretação de normas sobre o governo no âmbito do Estado e as relações de poder e autoridade em sociedade política.

O tamanho da edificação do Estado, a complexidade do seu governo e das suas funções, os regramentos para sustentação da sociedade organizada, sem os perigos de atomização em um processo anárquico induziram Tocqueville, em análise magistral sobre a democracia, a discorrer sobre a projeção das consequências da igualdade republicana como causa da submissão pela servidão voluntária. A necessidade de reduzir os efeitos dos impulsos de independência despertados por ela ampliaram os espaços da intervenção normativa e da formulação teórica e ética no plano do direito constitucional e da ciência política.

Numa redução simplificadora, as duas abordagens do fenômeno político na sociedade ocuparam espaços vinculantes ao estudo e construção das normas, no caso do direito constitucional. A ciência política (houve quem a designasse, restritivamente, como sociologia política) preencheu as dimensões do estudo do poder político e das formas da sua distribuição na sociedade, o seu funcionamento e operacionalização.

O grau elevado de complexidade crescente alcançado pelo equipamento de poder do Estado e a multiplicação de instrumentos para o seu controle levaram a uma sofisticação teórica e da práxis dos mecanismos ordenatórios. Ademais, as relações que se foram adjudicando ao poder controlador do Estado, com concepções sofisticadas da gestão da economia e do seu aparato administrativo, fixaram poderosamente o foco sobre normas e regramentos e, em consequência, sobre o direito na sua vertente de normatização das funções do Estado.

Não admira que, nos meandros da administração dos mecanismos da Justiça, o rito, o processo e os procedimentos tenham atingido um nível de relevância incomum, em relação aos princípios gerais de direito e notoriamente às questões de mérito.

A visão e a compreensão do fenômeno do poder político na sociedade cedeu espaço aos mecanismos constitucionais, que atraíram muitos bacharéis investidos numa postura acadêmica de cientistas políticos. A regra, a capacidade de produzi-la e a impor coercitivamente — este é afinal cometimento próprio da instância estatal — deslocou para o plano regulatório o que, em muitos aspectos, deveria compor o amplo campo das relações sociais e políticas.

Não por acaso, a valorização dos instrumentos regulatórios, no âmbito do direito processual, corresponde a uma forma autoritária de um “new constitutionalism” no espectro de uma democracia “relativa”, ao gosto dos novos manejadores do direito “instrumental”.

O “processualismo” pós-moderno dá-se bem com os governos autoritários, usa das mesmas armas e dos mesmos instrumentos — e fala a mesma linguagem possessiva e incriminatória dos agentes do Estado.

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