2022 será uma espécie de 1984.
Orwell, presente mais do que nunca, e a “persistência da memória” do passado, para usar a imagem indelével do óleo fantástico de Dalí.
A lembrança cruel de mortes recentes e de velhos afetos deixados à beira da estrada a afogar a nossa tristeza e as dores da saudade de tantas perdas.
A economia destruída, a miséria se esgueirando por entre a pobreza, as perdas de quem amealhava muito pouco e os ganhos das novas fortunas favorecidas pelas circunstâncias de uma dilacerante tragédia. O cenário de guerra, de terra arrasada, com o cheiro de corpos e almas dilacerados, cobre a memória de um passado que sobrevive ainda e persiste em desdobrar-se em novas ameaças mal guardadas.
Será por esses caminhos juncados de vidas desfeitas, de sonhos perdidos, que caminharemos, os sobreviventes de tanta dor acumulada nos dias aziagos que nos aguardam.
A reconstrução das coisas perdidas não se fará sobre edificações postas por terra, entre as brumas de carros de guerra sob o fogo de Marte.
Será bem maior o desafio para colar as partes rompidas e reunir as peças perdidas, restaurar a solidariedade construída em torno de valores, sensos e disensos, numa frágil identidade que, mesmo assim, tão débil, era a “nossa” identidade comum.
Saídos de tamanha tormenta — só não a percebeu quem de fato não fez a travessia dolorida dos que arrastaram as suas dores, inutilmente — nos defrontaremos com as alternativas hipócritas da reposição dos vazios políticos e institucionais de um Estado em “reconstrução”. Virá o tempo das partilhas, das negociações, da contraposição de intenções que, a rigor, traem os mesmos interesses.
A sociedade está politicamente dividida. O povo ou o que preenche essa misteriosa categoria de gente desvalida conduzido pela ignorância e a insensatez, repete as ideias que as elites e os sovietes sugerem e impõem — e votam nos mesmos de sempre.
O pior dos quadros está se armando sob os nossos olhos e diante da nossa indiferença. A contraposição das facções e milícias da autocracia, enfiadas em pele de raposa, armam o picadeiro de um representação destruidora.
2022 será o “1984” de Orwell, a prova definitiva de que, no Brasil, até mesmo o passado é improvável, como dizia um arguto pensador das nossas brasilidades preguiçosas.