O STF é um órgão judicante constitucional, ou seja, é o guardião do espírito da lei contido na Carta Magna, assim denominada por ser a espinha dorsal de uma região ou país, no que se refere:
– à sua organização política;
– à definição dos direitos civis fundamentais; e
– à natureza e essência da forma e conteúdo da relação de produção social ali estabelecida.
A nossa Constituição Federal, assim denominada por ter abrangência de Federação de Estados membros a ela subordinados, tem natureza republicana burguesa e, portanto, defende a lógica do capital procurando equalizar a relação político-jurídica do capital-trabalho de modo a que estas duas faces de uma mesma moeda possam pretensamente conviver harmoniosamente.
Ora, por assim ser, o STF, em sua função institucional, tem caráter eminentemente político-jurídico processual-constitucional burguês.
A República (res publica, do latim, ou coisa pública) que vem sendo aprimorada juridicamente ao longo dos dois últimos séculos mundo afora, divide-se em duas vertentes na questão de forma política, e se unificam na questão de conteúdo.
As duas formas políticas, com variações no seu interior, são, respectivamente:
– as que se inclinam para o liberalismo clássico, do estado mínimo, sem incumbências sociais mais relevantes, por entender que a “mão invisível do mercado” (Adam Smith) tudo equaliza;
– e a vertente keynesiana, do estado intervencionista na economia, estrategicamente estatizante, com preocupações sociais que julga indispensáveis a serem patrocinadas pelo Estado.
As vertentes políticas marxista-leninista-maoista do capitalismo de estado experimentada na Rússia e na China, mais não foram do que a exacerbação de uma visão capitalista político-econômica aparentemente sui generis, que se denominou como socialismo real, mais não sendo do que um keynesianismo mais radical.
Nos casos da Rússia e China, e apenas incialmente, com um estado exclusivamente detentor dos meios de produção com estatutos jurídicos constitucionais próprios de ascensão ao poder político estatal unipartidário que, inevitavelmente, derivou para um capitalismo liberal de mercado por consequência natural da imposição das categorias capitalistas mantidas nestas duas experiências políticas.
A lógica da forma valor, que consiste na acumulação capitalista, é absolutista e não admite outro Deus a lhe comandar as ações, senão a sua própria função autotélica.
Na questão de conteúdo, tanto as experiências republicanas burguesas, como as marxista-leninistas remanescentes (Cuba, Coreia do Norte, Venezuela, e talvez Nicarágua), identificadas como socialistas, que se pretendem antirrepublicanas burguesas, identificam-se, no conteúdo de suas relações sociais de produção, como produtoras de mercadorias, razão pela qual podemos dizer que todas elas são espécies políticas do gênero capitalismo.
Nas democracias republicanas burguesas clássicas, as Supremas Cortes são antenadas com o interesse econômico que dita as ordens para todas as instituições que lhe servem, razão pela qual estas Cortes Judicantes assumem, principalmente, um papel político na definição daquilo que esteja coadunado com tal interesse.
Se a Constituição é burguesa, todo o pensamento dominante nestas Cortes obedece ao desenvolvimento, estabilidade e indução à manutenção constitucional do conjunto da institucionalidade política e econômica burguesa.
O pé de laranja não dá manga.
Nos regimes ditatoriais burgueses as Cortes Supremas são moldadas ao seu feitio absolutista; nas democracias liberais são moldadas por critérios políticos menos acintosos, mas sem deixar de serem flagrantemente politicistas, uma vez que são escolhidas num filtro político majoritário de indicação dos seus membros.
No capitalismo, sob a égide do Deus valor, quem manda é o capital, e a ordem política é moldada para lhe servir, razão pela qual os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, obedientes à constituição, não têm soberania de vontade e atuam de modo que tudo na sua ordem institucional se processe de modo a lhe dar manutenção e sustentação econômico-financeira, além de indução ao desenvolvimento de tal conteúdo.
É por isso que quando Bolsonaro, o ignaro, passou a promover manifestações domingueiras temerárias em Brasília, estimuladas pelas suas redes sociais (o chamado gabinete do ódio), nas quais se liam frases como “Abaixo o STF”; “intervenção militar Já”; “AI 5 Já”, e com disparos de rojões contra as sedes dos poderes legislativo e judiciário, a elite brasileira (política, econômica, militar, alguns segmentos de setores religiosos, e o mercado, avesso a incertezas políticas) puseram as suas barbas de molho.
Antes mesmo das manifestações pró golpe contra a posse de Lula e de golpe no 08 de janeiro de 2023, o mercado e toda a entourage do sistema financeiro e do grande capital industrial e comercial, e até mesmo a cúpula militar, entendeu que era hora de dar um freio nesse embalo considerado de futuro duvidoso capitaneado por um energúmeno militar afastado da caserna por insubordinação corporativa e mentor de um projeto ditatorial num momento de depressão mundial capitalista.
Foi aí que Lula voltou institucionalmente ao jogo eleitoral como única forma de derrotar o projeto brasileiro de um novo Hugo Chavez absolutista (militar de baixa patente comandando o generalato), e o STF soube muito bem como explorar as falhas técnicas processuais e suas imparcialidades na Operação Lava Jato para tornar nulas as decisões de instâncias anteriores retirando o petista da prisão e reabilitando-o à elegibilidade, ainda que fossem feitas delações premiadas e reapropriadas as devoluções de bilhões de reais recuperados do exterior por conta da corrupção com o dinheiro da União Federal (dito público).
Essa talvez tenha sido a mais clara demonstração da intervenção política de uma Corte Superior, que nesse caso agiu de modo a evitar uma possível guerra civil brasileira, tal fosse o acirramento (que ainda persiste) de um país dividido pela animosidade política irrefletida, mais de um lado (a direita irascível) que do outro (a esquerda institucional socialdemocrata trabalhista).
Os governos militares de 1964 a 1985, sabedores da função político-jurídica constitucional do STF, desde cedo se incumbiram de manipulá-lo ao seu favor, e na medida que seria melhor do que fechá-lo (como fizeram com o parlamento brasileiro por três vezes), porque era melhor tê-los sob sua tutela do que passar recibo de uma ditadura primitiva (os militares queriam dar um ar de legitimidade por apoio popular e convivência com políticos civis da oposição consentida, porque mantidos de boca fechada sob ameaça de cassação).
Já no AI-2, de 25 de outubro de 1965, alteraram a composição dos Ministros de STF de 11 para 16 membros, e de modo a que pudessem colocar lá os seus pretendidos e obedientes magistrados superiores, e não ficaram por aí: cassaram o mandato de três Ministros pela via da aposentadoria compulsória (Evandro Lins, Hermes Lima e Victor Nunes), sem falar que outros dois Ministros abandonaram o colegiado em protesto contra tais cassações e evidentes restrições ao ato soberano de julgar (Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayette de Andrada).
A direita golpista brasileira hoje vocifera contra a interveniência do STF na vida política brasileira pelo simples fato de não ter podido colocá-la de joelhos sob seus interesses absolutistas burgueses, impedidos que foram pela elite política e militar brasileira que tem mais sorte do que juízo.
O problema das instituições burguesas é a decomposição inconciliável dos fundamentos e contradições da lógica do capital em depressão que se explicitam e terminam por minar a credibilidade e aceitação popular dos poderes políticos instituídos, mesmo que o povo não estabeleça a conexão dessas mesmas instituições com a ordem político-econômica subtrativa e segregacionista que sustentam.