“Nunca houve uma guerra boa nem uma paz ruim.”
Benjamin Franklin
A guerra geopolítica é o mais explícito mau exemplo que as nações beligerantes têm dado para a humanidade; é a resultante prática de um modo de relação social segregacionista no interior das nações que se extrapola extramuros. A bestialidade da iniciativa da guerra é inaceitável sob qualquer argumento de legítima defesa contra pretensa e iminente agressão.
Sei que muitos bem intencionados humanistas de todos os matizes, que encontram justificativas a argumentos para a ocorrência da guerra, considerarão ingênuos os argumentos pacifistas, e aceitam a invasão militar de um país por outro dentro de determinadas circunstâncias (todos os países têm praticado a guerra, sejam eles países pobres da África ou superpotências europeias ou americanas do norte, do centro e do sul, e da Ásia).
A guerra é algo estranho aos explorados de todos os países que não devem ter uma pátria que os oprima, mas devem ter apenas o sentimento de solidariedade que deve permear as suas vidas em qualquer recanto da terra.
Na chamada modernidade, é a guerra concorrencial de mercado da lógica capitalista one world aquilo que está subjacente à guerra pelas armas altamente letais. A briga do pequeno comerciante com seu concorrente da esquina se reproduz numa escala global entre países. Não há nenhum santo nesta história, apenas governos teleguiados pela insensatez do capital que os comanda.
O mundo vive em chamas ou sob uma tensão eterna para a guerra, que vai desde as ditaduras sanguinárias e genocidas da África, passando pelos fundamentalistas religiosos islâmicos, ou pelos capitalistas de Estado ora convertidos em capitalistas de mercado, ou ainda pelas democracias burguesas do ocidente.
O móvel de tal estado de guerra ou tensão para a dita cuja é o milenar desejo de subjugação de uns povos sobre os outros, desde a escravidão direta que transformava os seres humanos em animais de carga, ou como atualmente ocorre, pela subjugação do trabalho abstrato que provoca a produção e acumulação do capital que proporciona poder econômico a quem o detém, mesmo que estes senhores do capital não se apercebam que ao invés de administrá-lo, é por ele administrado (ainda que dele se beneficiem).
O capital é senhor dos que pretendem ser senhores; tem caráter onívoro retroalimentado e autocentrado; insensível ao drama humano e utilitário do mesmo ser que o conduz; é individualista e meramente utilitário da necessidade de consumo humana; e sua lógica funcional é destrutiva, e por fim, autodestrutiva, autofágica.
A guerra é a sua síntese mais claramente exposta.
O capitalismo, que desde a crise de 2008/2009 deu sinais claros de exaustão, vem, mais do que antes, sustentando-se artificialmente pela emissão de moeda sem valor pelos países de moeda forte (Estados Unidos e União Europeia), e a sua crise fundamental ora se vê agravada adicionalmente por fatores externos, quais sejam o aquecimento global e uma crise virótica genocida e paralisante das atividades econômicas de consumo.
É a exacerbação disso tudo que mexe com as peças do tabuleiro econômico mundial, prenunciando tempestades.
É impressionante como a lógica funcional do capital se introjeta nas mentes humanas para justificar a bestialidade da guerra como agressão para uns e legítima defesa para outros; seja para capitalistas ambiciosos ou mesmo para os humanistas bem intencionados.
Marx dizia que de bem intencionados o inferno está cheio, e tinha razão ao dizê-lo.
O pensamento humanista de Karl Marx deu cientificidade à sua análise contida na crítica da economia política; os erros do politicista Marx foram aproveitados pelo pensamento oportunista dos capitalistas de Estado para, em seu nome, e indevidamente, exaltar os aspectos pretensamente positivos, mas essencialmente negativos da parte politicista de sua obra (como a adoção de posturas que ele pretendia serem transitórias).
Os marxistas vulgares proibiam a leitura e divulgação da parte essencial: a denúncia da contradição intrínseca da lógica de mediação social pelo capital, que a torna destrutiva e autodestrutiva, e até perseguiam os estudiosos do tema, como Isaac Illich Rubim, autor da obra “A teoria marxista do valor”, de 1921, que por isto foi preso e deportado para a Sibéria, onde sumiu.
As pessoas estão cada vez mais descrentes de tudo, e derivando para um niilismo suicida.
Tal comportamento deriva dos maus exemplos que até aqui têm sido dados pelos modelos políticos manipuladores do pensar que vão desde a democracia burguesa, ditaduras militares, ditaduras de partido único, capitalistas de estado que terminam por aderir ao mercado internacional e se tornarem privatistas, autocracias legitimadas por fórmulas políticas manipuladoras da vontade coletiva, monarquias governamentais ditatoriais ou constitucionais, governos que se aliam à volta de estados clericais ou semi-clericais etc., etc., etc.
O traço comum a todos os modelos políticos ora existentes é a mediação social pelo capital. Produzir valor a partir da produção de mercadorias é considerado algo natural e evoluído. Do mesmo modo que se sabe que não se pode viver sem consumir água, e se entende que não se pode revogar a importância da roda, considera-se, equivocadamente, que produzir e vender mercadorias se situa neste mesmo patamar.
Não se compreende que toda a liturgia e essência do opressivo poder estatal atual, sob todas as formas políticas, obedece a uma lógica funcional escravista que, para existir, apenas usa a necessidade de consumo de bens essenciais à vida transformados em mercadorias.
O poder político é um subpoder teleguiado pelo poder econômico, que nada mais é do que uma forma de relação social havida sob a opressão de uma lógica abstrata, matemática, desumana, que se incorpora aos objetos inanimados transformando-os em mercadorias destinadas ao consumo, ou serviços, para lhes emprestar vidas reais (valor de uso) e vidas abstratas (valor de mercado). Uma lógica surreal que se torna real e reificada.
Sob a lógica do capital os seres humanos não dirigem, mas são dirigidos.
As justificativas para a aceitação da guerra, por quem se posiciona a favor de qualquer dos lados são inaceitáveis; não há guerra santa. O mesmo pecado comete quem quer manter cômoda neutralidade sem denunciá-la, por esperteza, covardia ou ignorância, e que assim, a reforça voluntariamente ou não.
A citação dos crimes cometidos por um lado não justifica o cometimento de crimes pelo outro lado, e a denúncia de todas as guerras não é um posicionamento pacifista ingênuo, mas algo maior, que resulta da compreensão da negatividade daquilo que está subjacente ao conflito bélico, que invariavelmente se reporta a uma base equivocada de relação social.
A tese da legítima defesa pessoal diante de uma iminente ameaça de morte, que o direito penal corretamente admite como exclusão de imputação criminal, não se aplica à guerra entre coletividades humanas, justamente porque não é um ato individual, mas algo coletivamente evitável.
Na atualidade a guerra é um ato político do Estado, ente submisso enquanto esfera meramente regulamentadora de uma vontade que lhe é subjacente, anterior e soberana, e que se configura numa lógica do capitalista de relação social introjetada de modo esquizofrênico nas mentes humanas.
Nenhum povo quer a guerra, mas se submete a ela induzido pela cantilena do poder político e econômico que difunde a ideia do patriotismo nacionalista ou de blocos que se pretendem hegemônicos, e que tenta incutir (e incute) na mente do povo a ideia de defesa heroica diante da agressão racial e territorial alheia, que deve ser repelida, sob hipotética ou concreta ameaça.
Hitler invadiu a França rapidamente após a anexação de países menos populosos e menos militarmente potentes. Mas a resistência francesa minava a ocupação e prepotência nazista (o ser humano, tal como a água na gravidade que deriva para um local que a estabiliza, também deriva sempre para a busca da realização do ideal de justiça; tem senso de justiça), e mesmo que não houvesse o desembarque aliado na Normandia, com o passar do tempo o nazismo com sua crueldade terminaria por se enfraquecer e ser derrubado.
Não há mal que dure para sempre.
Todo poder vertical, como têm sido todos os poderes políticos nos últimos séculos (aí incluídos os modelos democratas burgueses, o republicanismo dito iluminista e o marxismo vulgar), são opressores, e se o povo, caso tivesse a gerência de seus destinos (que seria a antítese do poder), jamais iria à guerra justamente porque a guerra é sempre algo que afronta o melhor sentido de preservação da espécie e da realização do ideal moral de justiça.
De mau exemplo em mau exemplo caminha a humanidade inconsciente de si mesma.
Mas espero que os seres humanos encontrem a chave do quarto escuro no qual estão guardados os segredos da opressão de que são vítimas, e mesmo tateando sobre os obstáculos existentes, terminem acendendo a luz da liberdade e descubram onde estão as razões da aceitação de sua própria opressão e dela se libertem definitivamente.