O Natal e o diagnóstico da crise política brasileira, por Josênio Parente

Inicialmente precisamos colocar os pontos nos is. Democracia é “estado de direitos civis” próprio das sociedades com competitividade imanente, característica de uma economia de mercado. Ética é o pacto civilizatório para que as instituições, cada vez mais fortalecidas, consigam enquadrar os indivíduos dentro de uma moral onde a gestão e a posse de bens sigam caminhos esperados no “espírito das leis” e não da trapaça. E o Natal traz, para o Brasil, um bom material para esse exame de consciência, a fim de que possamos fortalecer as instituições e consolidar uma convivência civilizada e legitimada pela “vontade geral”.

Na política brasileira, o ano de 2015 foi marcado pela crise de governabilidade do presidencialismo de coalizão. É, realmente, uma crise de governabilidade. Após uma eleição muito competitiva, houve uma rebelião na base aliada do governo, que recebeu apoio da oposição no Congresso. O governo Dilma passou a sofrer, de forma inédita, acusações de ilegitimidade da eleição que lhe deu a vitória. O impeachement e a desestabilização de seu governo passaram a ser a principal pauta dessa oposição ampliada. A crise política agravou a economia e a qualidade de vida de setores da sociedade civil. Setores estes, localizados, e não toda a sociedade.

O presidencialismo de coalizão, como o parlamentarismo, pressupõe que uma democracia representativa chegue ao momento em que os partidos políticos, a única via de se chegar ao poder político, tenham raízes na sociedade civil. Não importa o número de partidos, mas que tenham consistência no Congresso, representando a sociedade, a fim de que o governo consiga formar maioria para aprovar projetos e políticas publicas orientadas para a sociedade. A correlação das forças políticas no Congresso não era a da sociedade, que não foi às ruas com esse objetivo. Se o impeachment, anda que cogitado, perdeu forças, mostrando que as instituições democráticas estão fortes, o foco passou a ser a possível candidatura de Lula, fazendo com que esse grupo que está com 13 anos no poder ainda possa ampliar sua administração.

A sociedade é o “locus” da competitividade e da diversidade das visões de mundo. Os partidos,  representativos, ocupam o espaço do debate no Congresso, onde os problemas da sociedade e as políticas públicas são realizadas. Não há espaço, portanto, para o pensamento único. que só seria possível com a ditadura. O objetivo do debate partidário, nesta correlação de forças, é a construção de hegemonias. Nesse particular, as redes sociais têm sido mais um instrumento crítico nesse processo, influindo para que as visões de sociedade sejam orientadas para uma maior inclusão social.

O inusitado nesta crise tem sido a recente prisão de um Senador da República, com um conceito de flagrante ampliado. Esta prisão pode também ampliar as investigações da teia do sistema de propina imanente ao modelo político brasileiro, pois o Senador tem ligação umbilical com os dois principais partidos representativos dessa última fase da República brasileira após a Constituinte de 1988: o PSDB e o PT. Isso mostra que a crise atinge os três poderes, pois a “operação Lava Jato”, que busca quebrar o “DNA” do Presidencialismo de Coalizão, está se desmembrando e pode ter o desfecho da “operação Mãos Limpas” italiana: a desestruturação dos partidos mais representativos e a chegada do populismo naquele país sede do Cristianismo de maior influência no Brasil.

O Natal se aproxima e traz muita simbologia para o Ocidente e o Cristianismo, duas culturas que têm muito em comum com a realidade brasileira. Como é tradição nesse período, tem-se sempre aproveitado para fazer um balanço do que aconteceu e também refletir sobre o que pode vir de renovação. Isso tem dado ânimo cultural para continuar a caminhada, fiel aos valores. Este Natal, especificamente, como vimos, é rico de significado político. A caminhada democrática precisa avançar, e os problemas se avolumaram.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

Mais do autor

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.