O limite de cada um no cinema e na história, por Osvaldo Euclides

O cinema é uma arte de muita força. Ele apresenta os eventos com a nitidez da realidade, às vezes ampliada com a música, com uma sequência alucinante de imagens, com clima, ritmo e ambiência cuidadosamente criados para provocar impacto e tirar o máximo das emoções. Sempre me atraíram alguns personagens e alguns tipos de cenas comuns a muitos filmes. Não gosto de sequências de perseguição de carros. Impressionam-me os diálogos curtos, mas que “dizem tudo”. E me perturbam as cenas de tortura.

James Bond, o espião 007 do Ministério do Interior inglês, que tem licença de Sua Majestade para matar, eu o situo entre o bandido e o mocinho, vejo-o como um herói sem caráter, causa inveja seu sucesso instantâneo com as ‘bond girls’. Numa peça recente, ele é duramente torturado, seus testículos são atingidos por algo parecido com martelos, coisa de arrepiar. E ele não entrega o segredo, não revela o que não pode ser revelado. O sem-caráter resiste além do limite do humano.

Essa questão do limite sempre me atrai, me faz pensar. Cenas de tortura são banais em filmes de época, de ação, de aventura e policiais. O cinéfilo se projeta no que vê na tela, sabe-se. Bandidos e mocinhos sempre crescem na hora da humilhação e da tortura. E resistem. Alguns passam do limite do razoável (e chamo razoável qualquer limite humano) e não revelam nada, e morrem. Até o cinéfilo fecha os olhos ou vira o rosto, é seu limite.

Já lhe ocorreu pensar como você reagiria se fosse torturado? Você entregaria a informação ou resistiria? Qual seria o seu limite? O super-herói Batman tinha medo de morcegos. Logo ele!

Do cinema pode-se passar para a vida real. A história recente do Brasil tem farto registro de centenas de casos de tortura feita por profissionais do Estado. Possivelmente, você tem na família ou entre amigos alguém que traz (explícita ou não) alguma marca (física ou psicológica) dessa brutalidade.

Tenho a vontade de fazer mil perguntas a essas pessoas, mas sempre me contive, nunca cedi a essa curiosidade. A questão do limite é atraente, mas precisa ser mantida dentro de limites. Qual o limite de cada um? Qual o meu? Qual o seu?

Evidentemente, hoje tortura-se menos. Torturam-se apenas aqueles que não têm como reagir, não têm quem os proteja e defenda, os ignorados de todo tipo. E, claro, a tortura é menos elaborada. Embora não seja menos brutal, incivilizada, selvagem.

Nessa trajetória chego aos delatores, por tudo que se sabe, gente fina, gente de bem, pessoas bem relacionadas, inteligentes, enquadradas no que se costuma chamar de “bem-sucedidas” sob qualquer ponto de vista, até serem ‘apanhadas’.

Um governador, um prefeito, um senador, um deputado federal, um grande empresário, um juiz, um procurador, um advogado, de repente vêm-se colocados num cubículo de nove metros quadrados, sem julgamento (o julgamento, dizem, prepara o espírito para a pena), sem pena definida, sem prazo para a soltura, sem nenhum conforto ou consolo físico ou mental. Não interessa se é ou não culpado, se merece ou não essa ou aquela pena. A prisão é uma monstruosidade, nem a morte maltrata tanto.

Qual é o limite até que esta fina pessoa faça uma delação? Até onde resistirá aos apelos de advogados, dos amigos, da família e de todas as circunstâncias?

Sem discutir o merecimento ou não do castigo, pode-se considerar que a prisão alongada antes do julgamento é uma espécie de tortura? Ou é apenas uma pressãozinha legítima?

Espero que eu e você não tenhamos jamais que descobrir nossos próprios limites. Bastam-nos a literatura, o cinema e a história.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.