O LEITE DERRAMADO

No entre-guerras, pelos anos 1920, com a reorganização das relações econômicas e diplomáticas entre países de um mundo em conflito, abriam-se a países como o Brasil, dois destinos para a conquista do futuro.

O modelo americano foi, aqui, intencionalmente, esquecido como alternativa. Por esse tempo, os Estados Unidos haviam já completado o longo período de colonização e conquista e libertado-se do domínio europeu em seu território. Era uma potência regional poderosa.

O crescimento ordenado e progressivo, modelo Canadá e Austrália seria alternativas possíveis e viáveis. Como alternativa, despontava a ocupação territorial com uma reprodução populacional descontrolada, de braços com a fome e a miséria, sob o domínio de um Estado forte, como a Índia e alguns países latino-americanos.

Jogava a nosso favor tudo — riquezas naturais, vasto território, imensas reservas minerais, solo fértil para a riqueza do agronegócio — menos o sistema político e as instituições de governo, atrasados, primitivos, a reboque de um mundo em célere transformação, dotado de estruturas de um Estado máximo, sob o controle das oligarquias e de setores de vocação autoritária e pouco sensível a ordenamentos essenciais, compativeis com uma democracia estável.

Do Canadá pouco mais exibimos do que algumas mostras de progresso mal distribuídas em uma sociedade carecida de instrução, de habilidades técnicas e científicas e de educação. Como se houvéssemos optado pela condição de país dependente e periférico, como temos sido, aliás, até hoje.

Da Austrália, faltou-nos o esforço colonizador e civilizacional de gerações sucessivas de migrações, parte das quais proveniente, como sabemos, do sistema carcerário inglês, porém armada de iniciativa e audácia, trazendo o prêmio do perdão e da liberdade para recomeçar as suas vidas nas novas terras conquistadas.

Com a consciência lacrada e as esperanças, contidas pela ação expansionista de uma ideologia de Estado que alicia novas frentes de militantes, a vontade e o amor pela liberdade vai cedendo lugar e espaço ao ódio e ao medo, em uma aspiral descontrolada de intolerância, violência e submissão.

Da democracia fundadora, pouco mais guardamos do que frágeis propósitos perdidos, desmantelados e reordenados como forma de um certo progressismo “relativo” constitucionalmente celebrado e legitimado pela indiferença do povo.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.