Às vezes, vivemos imersos em nossa bolha, protegidos de tudo o que é grande demais para enfrentar. Não que a indiferença seja confortável, mas ela se torna um escudo diante da impotência. Foi nesse estado de espírito que, por acaso, me deparei com uma série de reportagens sobre a situação atual do Sudão, no Le Monde. As palavras ali descritas não eram apenas informações; eram gritos, ecos de um desespero que parecia não caber mais no papel. Eram vidas desmoronando naquelepaís africano que, até então, me parecia tão distante da minha realidade. As imagens foram um soco na alma. Crianças esqueléticas, pele e ossos, mortas de fome. Mulheres carregando nos olhos a dor de quem perdeu tudo.
O que mais me assustou, ao ler aquela reportagem, foi perceber algo ainda mais cruel: nem toda vítima tem o mesmo valor. Algumas tragédias mobilizam o mundo, recebem doações, manchetes e comoções globais. Outras, como a do Sudão, são esquecidas. Talvez porque a cor da pele ainda seja um critério invisível e brutal na definição de quem merece atenção. Talvez porque seja o continente africano, ou a falta de interesses econômicos tornem essas vidas menos relevantes aos olhos das grandes potências. Ou, quem sabe, porque nos acostumamos a ver certas regiões como sinônimos de tragédia, alimentando uma anestesia coletiva que silencia a empatia. Seja qual for o motivo, a verdade é que essa desigualdade no olhar global não é apenas injusta, ela é profundamente desumana.
O Sudão, hoje, é o palco de uma tragédia humanitária devastadora, resultado de um conflito brutal entre as Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido. Após suportar mais de trinta anos uma ditadura opressora, o povo sudanês, enfim, conquistou sua libertação, apenas para ser traído por seus próprios libertadores. Os antigos aliados na luta contra o regime agora se enfrentam em uma guerra movida pela ganância e disputa pelo poder, deixando a população à mercê da violência e da miséria.
Desde abril de 2023, essa guerra tem mergulhado o país em uma crise sem precedentes: famílias inteiras são deslocadas,crianças perdem suas vidas antes de sequer conhecerem o que é viver, e hospitais são bombardeados enquanto tentam salvar as últimas fagulhas de dignidade humana.
O impacto sobre a população civil é catastrófico. A escassez de alimentos e medicamentos, combinada com ataques a instalações médicas, criou uma situação desesperadora para milhões de sudaneses.
Enquanto lia e via aquelas imagens, algo dentro de mim se quebrou. Não é possível seguir vivendo como se nada estivesse acontecendo. Não é possível aceitar que essa indiferença — minha, sua, nossa — continue permitindo que tragédias como essa sejam silenciadas.
Escrever sobre o Sudão não é apenas uma tentativa de fazer justiça ao sofrimento de um povo, é um ato de enfrentamento à minha própria impotência. Não posso salvar aquelas vidas, mas posso gritar por elas. Posso, ao menos, manter os olhos abertos. O mínimo que devemos a essas vítimas é o reconhecimento de sua dor, porque, enquanto aceitarmos que algumas vidas valem menos que outras, estaremos negando a essência do que nos torna humanos.
Mônica Moreira da Rocha
Para quem quiser aprofundar o assunto ecompreender a situação atual do Sudão, algumas sugestões de consulta:
– G1 – Mundo: Oferece reportagens detalhadas sobre os conflitos no Sudão, incluindo análises e atualizações recentes.
– Le Monde – série de reportagens sobre o Sudão
– CNN Brasil – Internacional: Apresenta cobertura abrangente dos acontecimentos no Sudão, com foco em política internacional e direitos humanos.
– BBC News Brasil: Disponibiliza notícias atualizadas e análises sobre os conflitos no Sudão, com uma perspectiva global.
– Human Rights Watch: Fornece relatórios sobre a situação dos direitos humanos no Sudão, essenciais para entender o contexto atual.
– Amnesty International: Apresenta análises e denúncias relacionadas aos direitos humanos no Sudão, com atualizações frequentes.