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O governo e a sua tendência à degeneração

“Advirto o leitor de que este capítulo deve ser lido pausadamente; desconheço a arte de ser claro para quem não deseja ser atento.

Toda ação livre tem duas causas que concorrem em sua produção: uma, moral, a saber, a vontade que determina o ato; outra, física, isto é, o poder que a executa. Quando caminho na direção de um objeto, faz-se primeiramente necessário que eu lá queira ir; em segundo lugar, que meus pés me levem. Que um paralítico deseje correr e um homem ágil não queira, dá na mesma: ambos permanecerão no mesmo lugar.

O corpo político possui móbiles idênticos: distinguem-se igualmente aí a força e a vontade, esta sob o nome de poder legislativo, a outra sob o nome de poder executivo. Sem o concurso de ambas, nada se faz ou se deve fazer.”

“Assim como a vontade particular atua continuamente contra a vontade geral, assim se esforça incessantemente o governo contra a soberania. Quanto mais aumenta esse esforço, mais se altera a constituição, e como não há aqui outra vontade de corpo que, resistindo à vontade do príncipe, faça equilíbrio com ela, deve acontecer cedo ou tarde venha o príncipe oprimir enfim o soberano e romper o tratado social. Está aí o vício inerente e inevitável que, desde o nascimento do corpo político, tende sem afrouxamento a destruí-lo, assim como a velhice e a morte destroem por fim o corpo do homem.”

“Há dois caminhos gerais que conduzem um governo à degenerescência, a saber: quando se restringe ou quando o Estado se dissolve. Restringe-se o governo, quando passa do grande número ao pequeno, isto é, da democracia à aristocracia, e da aristocracia à realeza. É esse seu pendor natural. Se ele retrogradasse do pequeno número ao grande, poder-se-ia dizer que se debilita; mas tal progresso em sentido inverso é impossível.”

“Tal é o pendor natural e inevitável dos governos melhor constituídos. Se Esparta e Roma pereceram, qual o Estado que pode esperar durar eternamente? Se quisermos constituir um estabelecimento durável, não pensemos em absoluto em fazê-lo eterno. Para sermos bem sucedidos, não devemos tentar o impossível, nem nos vangloriarmos de dar à obra dos homens uma solidez que as coisas humanas não comportam.”

(Trechos do Livro lll da obra Do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, 1762)

Angela Ferreira

Graduanda em Ciências Sociais na Uece.

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Graduanda em Ciências Sociais na Uece.