O ESTREMECIMENTO FINANCEIRO MUNDIAL

Uma expectativa de tsunami na economia mundial faz com que qualquer notícia menos alvissareira vinda dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, seja suficiente para provocar abalos sísmicos na especulação financeira sob a qual gira o capitalismo na sua fase de circulação gigantesca de dinheiro sem valor.
A consequência do desacoplamento das moedas fiduciárias como representação de valor “válido” advindo da produção de mercadorias, e oriundo da emissão de moedas sem lastro, tem provocado a inflação mundial que se situou na faixa anual de 5,8%, em 2023, sendo que na União Europeia ficou em 6,3%, e nos Estados Unidos se situou em 4,1%.
Há quem considere que tais níveis de inflação são elementos essenciais para a estabilidade monetária, mas já são índices preocupantes.

Isto tem provocado a elevação das taxas de juros que fazem a alegria dos rentistas, mas acende a luz amarela de perigo porque o aumento do endividamento público, que sacrifica os países pobres com os juros extorsivos para fazer face à rolagem de suas dívidas, cada vez mais está se aproximando dos níveis de inadimplência dos juros, também chamados de serviços da dívida (nome educado para a agiotagem do sistema bancário internacional), que deverá ser catastrófico para a economia mundial.
Após a aqueda vertiginosa do PIB dos Estados Unidos provocada pela pandemia da Covid19 em 2020, que chegou a -2,2% ao ano, houve uma recuperação em 2021 para 5,8%, e 1,9% em 2022, e 2,5% em 2023, que corresponde a uma média de 2,0% nesses últimos quatro anos, considerada renitentemente baixa desde a crise do sub-prime de 2008/2009, vez que o crescimento médio do PIB de lá de 2008 a 2019, se situou em 1,78% ao ano.
A dívida pública dos Estados Unidos, acima de 100% do seu PIB, ascendeu recentemente a mais de US$ 30 trilhões, e vem crescendo constantemente, fato que implicou no pagamento de juros num total de US$ 1 trilhão no período de 19 meses, que representou 15,9% do orçamento federal para o ano fiscal de 2022. Segundo o FMI, a continuar nessa pisada, a dívida pública nos Estados Unidos deve atingir 133,9% do seu PIB em 2029, acima dos 122,1% de 2023, o que significa existência de um endividamento constante e explosivo.

Os dados oficiais ora analisados, de inconteste veracidade, demonstram que há um freio de mão puxado na locomotiva de economia mundial, os Estados unidos, mesmo sendo detentor e emissor do dólar, divisa internacional que serve de referência como equivalente geral válido, e que assim é respeitado.
Ora, se a locomotiva da economia mundial e detentora do seu maior PIB apresenta dados que demonstram fragilidade, o que se dizer dos vagões que são por ela puxados e que pagam taxas de juros bem mais elevadas sobre suas dívidas???
É graças a isso que na última segunda-feira (05.08.2024) bastou a apresentação de dados negativos de empregabilidade e redução de crescimento para o último trimestre nos Estado Unidos, para desabarem as bolsas de valores do mundo inteiro, que embora recuperadas do susto nos dias seguintes, bem demonstram a instabilidade do sistema financeiro internacional cujo prenúncio é de cataclisma iminente.

O que está na base dessa instabilidade é a consciência que os agentes financeiros têm de que já não se produz um volume de valor válido necessário para a irrigação saudável do fluxo monetário, bem como de volume de lucros advindos de extração de mais-valia na produção de mercadorias (setores primário e secundário) e que tal fato tem data aprazada de possibilidade de sustentação de todo o sistema financeiro, que se vê ameaçado de colapso.
Esses tempos especulativos financeiros provocou a prática do carry trade por grandes especuladores privados internacionais e que consiste em se contrair empréstimos a juros mais baratos para aplicar o dinheiro obtido em taxas mais altas obtendo-se lucros em tais operações.

Tal prática bem demonstra que a questão das taxas de juros na economia globalizada, na qual se transferem valores eletronicamente em segundos, é o que tem gerado lucros financeiros meramente especulativos que em algum momento vão se esfumar nas labaredas do incêndio que se anuncia, transformando o dinheiro sem valor em congelamentos bancários e/ou moeda podre sem poder de compra.
As criptomoedas, hoje tão em voga, são, também, uma demonstração da prática de especulação financeira visando a obtenção de lucros com dinheiro gerando dinheiro fora da produção de mercadorias por mecanismo de oferta e procura limitada de fundos de várias moedas fora do sistema bancário e fora controle fiscal do estado, que num dado momento irão ruir pelo mesmo fator de inconsistência de valor das moedas fiduciárias que compõem tais fundos monetários.

Quando se olha para a economia chinesa, que os desavisados consideram como um fenômeno de sucesso no mundo capitalista, e se vê o crescimento de sua dívida pública crescente, que o FMI prevê que em 2029 chegue a 110,1% do seu PIB provocando uma obrigação de juros de 3% ao ano em média, e num país que está enfrentando quedas anuais de crescimento do PIB (cerca de 4,7% em base anual de 2024)., pode-se antever o tamanho da encrenca para os anos vindouros.
A China já enfrenta sérios problemas de inadimplência da dívida pública de governos de várias cidades e uma crise no setor imobiliário provocada pela incapacidade de aquisição de unidades construídas ou mesmo de inadimplência das dívidas existentes de aquisições anteriores.

Não é diferente o quadro financeiro na União Europeia, que aglutina as locomotivas da economia mundial no velho continente. Em que pese a queda da inflação ocorrida em 2023 e 2024 em torno de 3% ao ano, as taxas de inflação dos anos anteriores foram extremamente altas (em torno de 10% ao ano), fato que denuncia a instabilidade econômica havida nos 27 países que compõem a comunidade do euro.
As altas taxas de desemprego e a dívida pública em torno de 83,7% do PIB da União Europeia calculado em US$ 19,8 trilhões, sobre a qual incide juros de 3,7% ao ano, indica que estes últimos se equivalem ao crescimento do PIB antes referido, de onde se pode concluir que há prenúncio de estagnação ao invés de crescimento da economia como um todo.
Os dados ora indicados, das maiores economias do mundo, e que significam cerca de 75% do PIB mundial, e com dívidas públicas superiores aos respectivos PIBs, dá bem a dimensão de como vive o restante dos países da periferia capitalista, obrigados ao pagamento de taxas de juros elevadas e com PIBs muito inferiores àqueles existentes nos países ditos ricos, além de altas taxas de desemprego e inflação.
Segundo o Fundo Monetário Internacional a dívida pública mundial está em torno de US$ 91 trilhões e a dívida pública se situa em 92% do PIB mundial, ou seja, o que o mundo produz de riqueza abstrata, valor, em um ano, não é suficiente para pagá-la, mesmo que fosse possível (e não é, obviamente) que todos os recursos fossem apenas destinados para tal fim. É graças a isto que nos aproximamos do momento em que nem os juros da dívida serão possíveis de serem saldados, e todo o sistema financeiro ruirá inapelavelmente.

A razão pela qual os Estados não conseguem refrear o crescimento de suas dívidas públicas deriva de uma realidade inafastável: se não se endividam, deixam de pagar as suas contas e de cumprir a função fundamental de fornecer infraestrutura para o desenvolvimento econômico pífio já existente; e se se endividam apenas adiam a hora da verdade, quando anunciarão aos rentistas o congelamento dos seus ativos.

É que na economia mundial já não se produz valor no volume necessário numa economia interligada e dependente desse mesmo valor para continuar existindo.

A constatação é de que, além do quadro de dificuldades que se avolumam nos países detentores da hegemonia capitalista, conforme demonstramos, a pobreza mundial reproduz a concentração de riqueza abstrata produzida pelo capitalismo levando miséria à maioria da humanidade.
O mais grave é que com a depressão econômica mundial renitente, o quadro de dificuldades vem causando e se agravando com a eclosão de guerras, levantes civis de insatisfação política e crises ecológicas provocadas pelo aquecimento global que se traduz em fenômenos atmosféricos e terrestres da natureza cada vez mais intensos.

Há que se conjecturar, urgentemente, novos parâmetros de socialização fora dos critérios estabelecidos por uma lógica de relação social capitalista que tem se mostrado incapaz de usar os avançados conhecimentos da ciência em favor do bem-estar coletivo.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;