“O capitalismo mata; mas vamos vencê-lo”
Judy Ann Seidman
No atual estágio de depressão econômica do capitalismo e consequente falência do Estado, sua cidadela protetora, os políticos, entes jurídicos que funcionam como integrantes da institucionalidade, sejam de direita ou de esquerda, sofrem o desgaste próprio a uma função que a cada dia se torna mais inepta.
O desgaste sofrido pela Dilma Rousseff, que começou já no final do seu primeiro mandato (1911 a 1914), aí incluída a explosão de insatisfação social havida em São Paulo em junho de 2013, está inserido do contexto no qual onde falta pão há sempre muita confusão; que me desculpem o trocadilho pobre.
A duras penas ela ganhou a eleição de Aécio Neves, que perdeu a eleição por 500 mil votos em seu Estado onde havia deixado o governo estadual, e como vítima de um desgaste governamental mineiro.
Mas as dificuldades econômicas se acentuaram e o segundo governo petista de Dilma Rousseff não resistiu à pressão da insatisfação popular que criou as condições ideais para a direita promover o seu impeachment por argumentos jurídicos frágeis, mas permeados por forte insatisfação popular.
Veio a eleição do Boçalnaro, o ignaro, um político do baixo clero que defendia bandeiras tão absurdas como a defesa da morte de 30.000 opositores pela ditadura miliar; posturas misóginas e de agressões às mulheres em pleno
Congresso Nacional; idolatria pública a torturadores como o Cel. Brilhante Ustra; defesa da volta do regime de exceção; além de ter sido afastado do Exército por conta de constantes atos de indisciplina e que culminaram com um plano cognominado de “beco sem saída”, que consistia em atentados à bombas aos Quarteis do Exército, incluindo a explosão da Represa de Água do Guandu, no Rio de Janeiro, como protesto ao então Ministro do Exército General Leônidas Pires Gonçalves por aceitar baixos salários militares.
O plano de Jair Bolsonaro e do seu colega militar Capitão Fábio Passos da Silva, teve mais tarde comprovada sua autoria pela Polícia Federal, fato que culminou com o afastamento definitivo das fileiras militares dos dois insurgentes. Como Deputado Federal durante oito mandatos teve apenas 2 Projetos de Lei (PL) aprovados.
É a extrema insatisfação popular em relação à ineficácia política o que provoca o eterno pêndulo eleitoral entre projetos políticos tão díspares na forma (capitalismo liberal clássico e capitalismo socialdemocrata), mas que se assemelham numa mesma base funcional: o sistema produtor de mercadorias, que é de onde saem os submissos recursos da política perante à lógica do capital e se pratica a acumulação do capital pela extração de mais-valia aos trabalhadores abstratos.
É a indignação das falácias governamentais que prometem o Céu e entregam o inferno o que levou um político detentor de um currículo tão inexpressivo quanto perigoso ser eleito Presidente da República Federativa do Basil e ainda ter pretensões de volta ao cargo.
Foi a lembrança de tempos menos difíceis (ainda que precários) que os atuais, aliada ao medo das instituições ameaçadas de golpe ditatorial por Boçalnaro, o ignaro, aquilo que trouxe de volta Lula à Presidência da República. Mas passados um ano e meio de sua posse já se ouvem ruídos de insatisfação que vão desde o mercado até a intelectualidade acadêmica que fez greve e outros setores da vida social.
O fenômeno é mundial, com o agravante de que o aumento da pobreza social ao invés de provocar rupturas com o que está posto e em visível obsolescência tem provocado retrocessos civilizatórios que afrontam a nossa melhor compreensão de direitos humanos, como é o caso de proposições, sem pejo, como esse PL do estuprador, proposto por um parlamentar de direita num parlamento majoritariamente conservador que emergiu do domínio do poder econômico; dos conchavos políticos de partidos políticos de aluguel; e fake news midiáticas da internet robotizada.
Está claro que a miséria e má conselheira.
A grande maioria dos países africanos vive um processo de empobrecimento que deriva para o oportunismo político do fundamentalismo religioso e militarização corrupta da vida social num mundo em depressão econômica e que naquele continente inviabiliza os meios de sobrevivência decorrentes da concorrência de mercado sob a égide da produção tecnológica de outros centros de produção de mercadorias.
O fenômeno de migração populacional das antigas colônias africanas se deve ao fato de que diante da impossibilidade de produção de mercadorias na famigerada guerra concorrencial de mercado que define a tal da viabilidade econômica para tudo que se queira fazer, resta a paralisia da produção e da capacidade de consumo populacional de um continente que já ultrapassou a barreira de 1 bilhão de habitantes.
Em muitos países asiáticos, incluindo-se a Índia e os países árabes, observa-se o empobrecimento de suas populações diante do paradoxo de que as conquistas tecnológicas adquiridas pelo saber da humanidade ao invés de facilitar a vida social tornaram-na inviável e insuportável.
Nas Américas do sul e do centro ocorre o mesmo, e a tentativa de migração para o norte (Estados Unidos e Canadá), com deportações e prisões, é cada vez mais volumosa.
Mas o fenômeno é dolorosamente explicável e lógico uma vez que a sociedade mercantil, fundada no trabalho vivo, abstrato, assalariado, que produz valor e consome valor, entra em disfunção orgânica por seus próprios critérios contraditórios, porque se tornam inadequados à vida social por conta da substancial e preponderante adoção do trabalho morto, da máquina, na produção de mercadorias, que não produz valor e não consome valor; não faz greve; atua 24 horas por dia (ao invés das 8 horas diárias do trabalho vivo); mas gera o desemprego estrutural e a queda crescente da capacidade social de compra, razão do colapso anunciado num ponto futuro e não muito distante do presente.
Conforme vimos dizendo, não apenas decrescem as taxas de lucro, mas principalmente decresce o volume mundial de lucro e consequente massa mundial de valor causando anemia em todo o sistema produtor de mercadorias por falta de sangue (leia-se valor) no seu organismo.
Ora, se falta o combustível que faz a máquina capitalista funcionar, ou seja, se cai a produção de valor válido (advindo da produção de mercadorias), e se se procura resolver o problema com a emissão de dinheiro sem valor, é evidente que se está a usar um critério de solução inconsistente e ineficaz.
A resultante de tal procedimento é o colapso da engrenagem num determinado ponto do processo, que deverá se explicitar primeiro no crash do sistema financeiro mundial; depois no descrédito das moedas fiduciárias (todas elas hoje são baseadas apenas na credibilidade ingênua que se lhes são atribuídas, principalmente o dólar e o euro); e por último uma guerra civil genocida, e isso tudo se não sucumbirmos antes perante uma guerra nuclear que vem sendo anunciada.
Algum leitor poderá achar que estou sendo por demais catastrófico.
Mas tenho oito netos, e não quero que os netos deles constatem que o seu antigo vovô, tenha sido um profeta do caos e que tinha razão na profecia; prefiro que nos antecipemos a essa tragédia anunciada e superemos a idiossincrasia de um modo de produção que entrou em contradição a partir de seus próprios fundamentos, e possamos usar o saber adquirido pela humanidade em seu próprio benefício, e não em sua extinção.
Um retirante nordestino que um dia, ainda criança, saiu num pau-de-arara de Pernambuco para o sul, reproduzindo a saga de milhões de nordestinos, e que se tornou operário e líder sindical (pelas mãos das categorias capitalistas trabalhistas democráticas) e que pela política chegou à Presidência da República de modo consentido pela sistema produtor de mercadorias do qual faz parte, dificilmente renegaria a própria saga pessoalmente vitoriosa (mas nociva à ruptura segregacionista do trabalho abstrato) desconstituindo o que constituiu e partir para uma autocrítica da economia política.
A política institucional cria mecanismos estruturais de controle sistêmicos que somente podem ser desconstruídos a partir de sua crítica radical, externa, de fora pra dentro, detonadora do seu núcleo central propulsor e somente pode ser contraposto por quem se desapega do poder político vertical, estatal, opressor, e servo de seu senhor, o capital, tornando-se criticamente independente.