A relação social capitalista obedece a uma lógica contraditória que conspira permanentemente com a racionalidade. A lógica capitalista de necessidade de autorreprodução permanente da forma-valor, que se opera ad infinitum, entra em choque com limites existenciais que são próprios desta contraditoriedade funcional, tais como (i) guerra concorrencial de mercado e (ii) capacidade de consumo.
As mercadorias, que são a materialização do valor ( uma abstração tornada real), digladiam-se num confronto épico na guerra concorrencial de mercado explicitando a equação irresolúvel desse modo de relação social.
Não é por menos que Marx, já no início da sua maturidade (aos 40 anos), deixando mais ao lado a sua intromissão nos eventos políticos das dores do parto da transição feudal para o capitalismo, começa sua obra fundamental, O Capital (da qual os GRUNDISSE foi o alicerce sob a forma de rascunho) dissecando a essência da forma-mercadoria que serve de base para toda a sua análise crítica da economia política.
Nenhum economista burguês, ou filósofo exotérico, conseguiu contraditar consistentemente as suas análises de conteúdo que o levaram ao vaticínio segundo o qual o dito cujo fatalmente viria a se chocar com a questão de forma como agora acontece.
Até mesmo os marxistas exotéricos, apegados ao conceito pífio de distribuição humanizada da forma-valor pelo estado proletário (o nome já indica sub-repticiamente a perpetuação e incenso da trabalho abstrato produtor de valor, expresso nas insígnias da foice e do martelo) não souberam ou não quiseram (por mero apego ao poder político vertical) caminhar no sentido da superação das categorias capitalistas e dos seus conceitos de relações sociais tão contraditórios.
O capital vem se conservando a partir da entourage de institutos políticos-jurídicos constitucionais ou consuetudinários que agora demonstram as suas falácias (como no campo do direito e suas firulas que tentam transformar o que é intrinsecamente injusto em justo) e fundamentos opressores.
As categorias capitalistas do gênero forma-valor que se plasmam socialmente como espécies dele derivadas, compõem o universo da irracionalidade social que clama por superação desse conjunto social fantasmagórico esao:
– trabalho abstrato;
– dinheiro (a única mercadoria sem valor de uso que compra todas as outras, a abstração por excelência);
– mercadorias sensíveis e serviços com valor de uso e de troca, sendo uma concreta outra abstrata;
– mercado;
– estado e suas instituições e formas políticas;
todas concebidas à sua imagem e semelhança.
A irracionalidade social comportamental obedece a um critério ditatorial que escraviza a humanidade sem que ela perceba os grilhões que lhe manietam a ação e o pensar, e ainda determina que os indivíduos sociais neles inseridos como “cidadãos” sofram as consequências de seu modo cruel e desumano.
O capital deseduca e transforma os indivíduos sociais em cidadãos contribuintes da sua própria opressão e adversários entre si. A solidariedade, traço comportamental que permitiu a evolução dos hominídeos, transforma-se em competição fratricida.
Neste quadro, surgem as mais diversas teses políticas que vão desde a direita ultradireita conservadora que agora ressurge passados 78 desde o fim da segunda guerra mundial, quando diante dos horrores da bestialidade irracional da guerra (a maior demonstração de irracionalidade humana) os nazifascistas mantiveram-se calados nos subterrâneos da incivilidade, até os bem intencionados membros da esquerda institucional (que se tornou dependente de todas as categorias capitalistas pelas quais é sustentada) que pregam a retomada do desenvolvimento econômico sem compreender a necessidade de superação daquilo que apregoam como salvação.
O movimento das doutrinas políticas sob o capital mais parece o pêndulo de um relógio que transita de um lado para outro sem sair do lugar.
São muitas as demonstrações perfeitamente visíveis dos comportamentos irracionais sociais que obedecem à voracidade onívora da forma-mercadoria em sua necessidade de expansão ad infinitum, tais como:
– congestionamento do trânsito nos grandes centros urbanos que transforma veículos velozes em carroças empacadas nas vias públicas, quando se poderia usar um sistema público de transporte eficaz, com eliminação de CO² na atmosfera e consumo desnecessário de peças;
– poluição de rios, lagoas, mares, solo, subsolo e atmosfera, além de emissão de gases poluentes que formam o efeito estufa, cientificamente comprovado como fator de alteração climática destrutiva;
– critério de trabalho abstrato (assalariado) gerador de valor e acumulação concentrada e excludente de capital como forma de remuneração do consumo social pela forma-valor (dinheiro e mercadorias), ao mesmo tempo que desenvolve tecnologias de produção robótica e cibernética capazes de reduzir substancialmente a mesma capacidade de obtenção de salários, causa do desemprego estrutural hoje mundialmente observado;
– produção clandestina de substancias tóxicas capazes de enlouquecer e tornar dependentes os seus usuários, como forma de se ganhar dinheiro com o tráfico e cumplicidade de setores policiais (igualzinho quando da lei seca estadunidense nos anos da grande depressão econômica).
– considerar-se democrático um processo eleitoral sabidamente viciado pela corrupção econômica na qual o eleitor incrédulo nos políticos e suas instituições procura obter uma vantagem econômica individual pretensamente compensatória a partir do voto, e o político corrompe o eleitor sob várias formas recebendo uma outorga de poder delegado no qual o eleitor outorgante se distancia da outorga concedido e fica à mercê de quem o representa infielmente, e que sempre em grande maioria parlamentar representa apenas os interesses dos detentores do capital;
– aceitar-se e normalizar-se a violência urbana com altos níveis de letalidade e assaltos à mão armada como questão meramente policial;
– aceitar-se os altos índices de analfabetismo e semi-alfabetização da população como traço cultural;
– aceitar-se a desassistência médica da população (preventiva e hospitalar) e os altos preços dos remédios laboratoriais patenteados (muitos delas meramente paliativos, pois muitas doenças poderiam ser curadas com remédios eficazes e definitivos que são boicotados), e tudo tratado como questão de mercado e meramente administrativa governamental;
– não se considerar o niilismo e a raiva juvenil dos adolescentes como a resultante de uma sociedade socialmente injusta e sem perspectivas de realização pessoal profissional e humana que está se plasmando no bojo dos limites expansionistas e de saturação da relação social capitalista;
– considerar-se que o oposto do processo democrático eleitoral é a ditadura, como se somente houvesse duas formas políticas de estruturação jurídico social (ambas antipovo), e pior, ver que após o processo eleitoral os derrotados clamam diante de quarteis militares por ditadura militar como forma de salvação democrática nacional, fazendo-se continência para pneus queimados e marchando-se em ordens unidas militares com símbolos patrióticos;
– aceitar-se passivamente e sem questionamento por que a humanidade adquiriu imensos saberes tecnológicos capazes de realizações de proezas nas áreas da comunicação via satélite;
– como computação em seus vários ramos e possibilidades como desenhos tridimensionais e gráficos, robotização e cálculos matemáticos;
– como engenharias genética, biomédica, civil, mecânica e agronômica;
mas vê aumentar a fome e a miséria mundiais segundo dados da FAO (quando muito se atribui tal fato a questões periféricas que contribuem para o agravamento destes problemas, mas não correspondem às suas verdadeiras causas);
– negar-se o esforço de biólogos, verdadeiros heróis da humanidade, que em laboratórios mundo afora pesquisaram a natureza biológica do vírus da covi19 como forma de criação de vacinas capazes de combaterem os seus efeitos letais, de validades estatisticamente comprovadas, admitindo-se que tais vacinas podem promover mutações genéticas, principalmente por quem não tendo conhecimento científico sobre a matéria e com a responsabilidade de Presidente da República coloca em dúvida a sua eficácia e ad mite jocosamente a possibilidade da transformar os seus usuários em bicha ou jacaré;
– submeter-se qualquer atividade social ao crivo restringente da viabilidade econômica, ou seja, somente se faz aquilo que dá lucro, mesmo que a coletividade esteja necessitando com urgência de uma determinada providência que se torna impossível de ser tomada caso tal iniciativa não resulte na síntese desumana do comando mercantilista como a derrubada de florestas sem um replantio sustentável; o uso de combustíveis fósseis poluentes quando se pode usar energias limpas; e a não canalização das águas fluviais para asa regiões secas de baixas densidades pluviométricas;
– ver crescer o fundamentalismo religioso tacanho e charlatão que se aproveita da ingenuidade e sofrimento coletivos na terra vendendo lotes da salvação no Céu ao mesmo tempo que doutrina sub-repticiamente a aceitação dos sofrimentos terrenos (favor não confundir isto com o direito humano de crença religiosa de boa-fé merecedora de respeitabilidade);
A sociedade capitalista somente ainda permanece viva, apesar da sua flagrante disfuncionalidade social, graças à inconsciência da maioria da população sobre suas mazelas, bem como pelo desconhecimento de que é possível se viver socialmente (e bem melhor) sem o Deus da modernidade – a forma-valor.
Os que conhecem o teor da irracionalidade capitalista e dela se beneficiam desejam que ela permaneça socialmente imperceptível; os que deveriam ter interesse em sua superação a desconhecem.
Mas apesar dessa inconsciência sobre si mesma e do caráter negativo contido no modo de produção social capitalista há um fator conjuntural que está a forçar o despertar da letargia coletiva suicida: a impossibilidade crescente de se viver socialmente sob as contradições inerentes e imanentes à forma-valor.
A nós todos cabe promover o despertar da emancipação humana antes que seja tarde.