O buraco está lá, em todas as estradas estaduais, vicinais, municipais e nas ruas de cada bairro. Ele está sempre aparecendo e desaparecendo. Sua chegada e sua partida têm algo a ver com as chuvas, porque com as águas eles, os buracos, se alargam, se aprofundam e se tornam ameaçadores. Com o fim das chuvas, eles são fechados e cobertos de asfalto bem preto e bem pago. Mas não demora tantos meses e eles começam a se insinuar, inicialmente pequenos e rasos. Com a passagem dos carros e dos caminhões eles prosperam discretamente. Até que caem as águas do céu, quando se alastram novamente. É uma espécie de ciclo semestral ou anual, deve ter algo a ver também com o sol – quem sabe o sol derrete os caminhos e joga a culpa nas águas.
Pode ser que a culpa seja da engenharia, uma ciência ainda jovem. A engenharia local, talvez, ainda não se armou de saberes, de experiências e de cálculos para fazer caminhos que resistam ao sol e à chuva, à passagem diária dos automóveis, veículos pesados. A ciência tem seus limites. A engenharia tem também, assim como os professores e os engenheiros. Um ano pode ser um tempo de vida longo demais para uma estrada, quem sabe?
Pode ser que a culpa seja das empreiteiras, as empresas que cuidam desse tipo de serviço especializado. É verdade que algumas até constroem pontes, hidrelétricas e usinas nucleares, mas o desafio de uma estrada ainda não foi vencido e o prazo de vencimento do trabalho quase nunca passa de um ano. Não deve ser um caso de obsolescência programada. Hipóteses podem ser levantadas sobre as máquinas, sobre os trabalhadores e sobre as matérias primas, como o asfalto. Melhor não formular mais hipóteses. O tempo vai ensinar a solução, as empreiteiras aprenderão, quem sabe?
Pode ser que a culpa seja do governador ou do prefeito. Nesses tempos de recursos orçamentários escassos, os gastos batendo no teto, o administrador público pode ser levado a propor uma obra mais baratinha, mais econômica, e, mesmo de boa fé, aceitar no projeto, na fiscalização ou na liberação dos pagamentos, alguns erros e omissões que resultarão numa estradinha mais precária, de vida útil menor. Deve estar na cabeça desses homens públicos a ideia de economizar agora e investir mais no ano que vem, quem sabe?
A universidade tem estado calada. Governadores e prefeitos fazem carinha de paisagem. As empreiteiras suportam silenciosamente o sacrifício.
A vantagem para o cidadão é que durante alguns meses do ano, todos os anos, ele transforma o caminho de casa ou do trabalho numa mini-gincana e testa sua memória para localizar tempestivamente os buracos e confere sua habilidade de piloto para se desviar de uns (sem cair em outros). E como prêmio, depois de cada inverno, ganha uma estradinha nova e se educa para esquecer os prejuízos com o carro, com os horários e até com a segurança. Sim, com a segurança, porque alguns dos buracos viram ´point´ de assaltantes.
É preciso aceitar nossa engenharia, nossas empreiteiras e nossos eleitos. Buraco deve ser inevitável. Talvez caiba dizer que buraco é cultura. Os buracos são milhões. Vamos fingir que a culpa é da chuva. Ou do sol. Ou dos carros e caminhões, quem sabe?