“O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil.”
(“Querelas do Brasil” – Aldir Blanc e Maurício Tapajós)
O oito de janeiro e o apelo nacionalista da ultradireita: tentando elucidar a questão silenciosa que emerge do barulho
Na semana passada, as autoridades e a imprensa política brasileira se pautaram pela discussão dos atos de 08 de janeiro. Não parece, mas já há um ano, a ultradireita bolsonarista assinalava o seu último e mais representativo ensaio golpista.
O que se desenha, a partir das evidências colhidas pelas investigações até aqui, é que a ação bolsonarista tratava-se de uma tentativa de lockdown que já vinha sendo articulada, em plena luz do dia, debaixo dos olhos das próprias instituições da república e das autoridades policiais desde o fim das eleições de 2022. O objetivo da depredação ocorrida naquela manhã de 8 de janeiro de 2023, era o de claramente constranger o Governo a decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no intuito de legitimar o controle militar do Estado, na esperança dos milicos restaurarem a autoridade de Bolsonaro no comando da República.
Mas calma, não vou aqui cansar os olhos de nossos leitores reafirmando o óbvio como a situação de conivência de vários setores do Poder Público diante da total impunidade para com os idealizadores e financiadores da escalada golpista que se sucedeu às eleições e culminou com o oito de janeiro. O que gostaria de chamar atenção neste ensaio não é a reconstituição deste processo, mas destacar a essência de um dos elementos constitutivos da propaganda política da ultradireita, não apenas na sua versão bolsonarista, mas ao longo de toda a sua história: o apelo ao nacionalismo.
Não por acaso, este elemento está presente no discurso de todas as lideranças de ultradireita da atualidade – não se resumindo apenas ao bolsonarismo – e não constitui numa novidade na história de nossa República Burguesa. Esta categoria já aparece na época da Ditadura Empresarial-Militar de 1964-1985, mas também anteriormente, seja em políticos de ultradireita com perfil mais demagógico, como Jânio Quadros, ou mesmo bem antes, nos discursos do Partido Integralista.
O fato é que, pelo menos desde o nosso último período ditatorial, a propaganda ufanista da ultradireita tem como prática política concreta, exatamente no seu contrário: uma política entreguista de subordinação dos interesses nacionais à iniciativa privada de caráter internacional. Esta relação dialética entre uma categoria que se apresenta como aspecto central do discurso da ultradireita brasileira – o nacionalismo – e a sua negação imediata, isto é, a política entreguista subordinada aos ditames de Washington, não deveria nos surpreender. O que realmente é digno de nota é o fato de que o discurso nacionalista, tem um forte apelo popular, mesmo quando é possível demonstrar diretamente a contradição entre o discurso e a práxis política da ultradireita brasileira.
“Como assim?” – Você talvez esteja se perguntando. Afinal, não seria a ultradireita um fenômeno restrito às frações médias da sociedade?
De fato, é nestas frações que o bolsonarismo e a ultradireita em geral vai buscar sua militância (embora vá procurar nas frações de classe do grande Capital os seus maiores financiadores), mas o apelo de seu discurso ecoa junto às periferias, por mais que a esquerda de caráter lulo-petista tenda a subestimar este alcance. Os últimos anos nos mostraram que o discurso da ultradireita reverbera nas grandes periferias, principalmente por conta da diminuição da presença das organizações de esquerda nas entidades populares – como as Associações de Moradores, hoje quase extintas – e da atuação das congregações neopentecostais, que agem como correia de transmissão do discurso ultradireitista.
A maior evidência é o fato de lideranças de ultradireita – mesmo as que não são bolsonaristas – despontam nas pesquisas de opinião para as eleições municipais, bem como o fato de os resultados da votação para Conselho Tutelar no final do ano passado indicarem uma forte presença de lideranças de ultradireita nestes conselhos.
O fato é: por que o discurso nacionalista, mesmo tendo como seu interlocutor uma tendência política que não tem nenhum compromisso com a soberania nacional, consegue agregar tantas pessoas, mesmo vindas das frações mais precarizadas do proletariado brasileiro?
Nas linhas a seguir, vamos procurar resgatar aspectos de nossa história social e política que nos levem à uma compreensão melhor deste problema, relacionado à uma problemática maior: as descontinuidades do processo de construção de nossa identidade nacional, que, após séculos, ainda é uma questão que permanece em aberto.
Vamos descobrir?
Acompanhe-nos nestes próximos dias!