Não sei se vale a pena navegar por esses mares revoltos de esquerda e direita e assumirmos um lado nesta acidentada topografia.
Recuso a enfiar-me na carapaça da esquerda e recolher-me à campânula da direita. Por uma única razão; explico-me: a liberdade de poder fazer esta declaração, sem passar pelo crivo dos assepticistas ideológicos, sempre atentos aos desvios da militância.
Pela liberdade de escolha de expressão e julgamento. Pela liberdade para não aceitar as regras que fazem dos ingênuos autômatos, receptadores da revelação do Paraíso, aqui na terra ou nas paragens da Eternidade.
As dificuldades de pessoas de carecidas virtudes identitárias não são pequenas. É difícil aceitar que, em mundo pautado por unções e jaculatórias maniqueístas, como este em que vivemos, possa alguém pretender exercer os impulsos da Razão e disparar suas solertes intenções por conta própria.
A história é a senhora do tempo. Longe está daquele joguinho presuntivo de “a história se repete como uma farsa”, ao gosto da ironia amestrada dos marxômanos. A história mostra como as utopias se oxidam e se transformam em ideologias distópicas. E demonstra o balanço da formidável tragédia armada com os miúdos das suas vagas intenções.
A um dos revolucionários mais combativos no episódio da tomada da Bastilha foi-lhe dado, como recompensa pelo seu idealismo patriótico, o monopólio da demolição e venda das pedras da edificação posta por terra pelos ideais republicanos. As melhores utopias terminam em práxis objetivas de recompensa e castigo.
Por fim, o que pode alcançar um “free lancer” político da desarrazoada estirpe do “chevalier seul”? Um quixotezinho urbano despregado das greis que controlam e ministram a verdade? Sobra-lhe como castigo sofrer o cerco dos extremos, da direita pelos vestígios suspeitos de esquerdista; e da esquerda, pelo indiferentismo criminoso perante a verdade da história, o “isencismo” apontado pelo gramscismo das tropas vingadoras.
Hermes Lima, jurista e socialista respeitável, manteve amigável controvérsia com Alceu Amoroso Lima. Por esse tempo, Tristão de Atayde vestia as armaduras de cruzado católico, bem antes de converter-se ao socialismo santo de Leão XIII. Feita a passagem heróica, tornou-se a voz mais autorizada do catolicismo político de esquerda. Hermes Lima comentou, à época:
“— Quando o Alceu é questionado de ser comunista, ele contesta em sua defesa: sou católico”. A essa operação de sublime transfiguração ideológica Hermes chamava de “guarda-chuvas de proteção”.
O nazismo, quanto o fascismo e o bolchevismo defenderam a liberdade de apropriar-se da verdade e das estratégias para a construção do “homem novo”.
O novo homem que eles desejavam forjar como Iaveh o fizera amassando o barro da Criação.