O Banco Central está desperdiçando uma oportunidade histórica, por Osvaldo Euclides

O Banco Central é a instituição pública mais poderosa do país. Administra o maior bolo de dinheiro da República, a dívida interna, que se aproxima de quatro trilhões de reais. Tem ampla autonomia para definir o rendimento dos juros para os investidores dos títulos do Tesouro Nacional. Tem também ampla liberdade para fazer diariamente operações de compra e venda de bilhões em moeda estrangeira, à vista ou a prazo, no mercado físico, especulativo ou de hedge, atuando na ponta da compra e da venda, a seu juízo e critério. Faz também a gestão das contas externas e das reservas cambiais de US$370 bilhões. Praticamente não presta contas a ninguém, pois suas transações estão envoltas no véu do sigilo bancário, da técnica e da complexidade, e, embora a gestão da dívida seja a conta fiscal mais alta do orçamento, ninguém (nem imprensa, nem parlamento, nem mercado) fala no assunto. Ora lucra, ora perde. Além disso, tem plenos poderes de regulação sobre os bancos, o que significa mais controle potencial sobre outros tantos trilhões em depósitos, empréstimos ou recolhimentos compulsórios. De fato, o Banco Central é maior do que o país, quase se pode dizer.

O objetivo central do Banco Central é a estabilidade da moeda, ou seja, o combate à doença da inflação. Durante décadas, o Brasil conviveu com inflação galopante. Depois do Plano Real do Itamar Franco-PMDB (que terminou creditado a FHC-PSDB), a febre inflacionária baixou. Recentemente, a inflação encostou nos 11 por cento ao ano. Está hoje abaixo de 3 por cento ao ano, fruto evidente da depressão econômica, posto que o Banco Central tem feito apenas o que sempre fez na sua existência.

A depressão econômica é grave e profunda, a demanda está no chão. Ninguém se atreve a especular com preços, os consumidores reagem, e o preço cai de novo. Estranhamente, o governo federal usa a queda da inflação como propaganda, mas age contra a queda da inflação, chutando para cima todos os preços que administra, a começar pela energia, gasolina e gás butano. Será que o Brasil e seu governo (e seu Banco Central) não querem uma inflação colada em zero?

O Brasil tem neste momento uma oportunidade de ouro para encostar definitivamente a inflação em zero. Disso há pouca dúvida.

A questão é: o governo tem interesse e o Banco Central competência para fazê-lo?

A pergunta cabe e é necessária porque a inflação poderia já estar em zero, não fosse o próprio governo aloprando em preços por ele administrados e o BC omisso para influenciar as expectativas.

Para resolver de vez o que o Plano Real começou a fazer, bastaria que o Banco Central do Brasil fosse capaz de ancorar expectativas do mercado em torno de uma inflação anual colada em zero. É para isso que serve o sistema de metas de inflação. E é para situações assim que se dá tanto poder ao Banco Central.

Não seria necessário nada excepcional. Uma revisão técnica dos critérios de cálculo dos índices de inflação (de maneira a isolar eventos excepcionais, com efeitos localizados e passageiros, evitando a sua indevida transmissão para toda a economia – é um absurdo o país ter a “inflação do tomate” ou a “inflação do chuchu”), a formulação de constrangimentos racionais para a indexação (a inflação passada garante a inflação futura, numa espiral sem fim), enfim, a ação inteligente do próprio BC.

O atual presidente do Banco Central acaba de ser premiado internacionalmente por sua competência. Tem duas maneiras dele mostrar aos brasileiros que merece os prêmios lá de fora: uma, baixando o custo de rolagem da dívida interna; a outra, colando a inflação de forma sustentável em zero.

Ainda dá tempo, mas o relógio não para. Tic, tac, tic, tac…

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.